Michael Löwy e o ecossocialismo


Michael Löwy é um pensador brasileiro erradicado na França que faz seus estudos sociológicos na linha da crítica ao capitalismo, abordando assim, várias correntes que problematizam as relações com o capital e que servem de contraponto ao mesmo.

O autor produziu várias obras sobre os temas diversos. Uma de suas especialidades é tratar do pensamento latino-americano, possuindo muitas obras que se dedicam a estudar o desenvolvimento do pensamento crítico a partir da América Latina. Ultimamente tem-se dedicado a tratar do ecossocialismo, que iremos explorar a seguir na perspectiva da disciplina.

 Ao os debruçarmos sobre a educação ambiental e uma proposta ecoteológica para contrapor não podemos fazê-lo sem pontuar a relação que o capitalismo estabeleceu com o meio ambiente.

Na Europa depois da primeira e segunda Revolução Industrial o desmatamento das áreas de cultivo comum aumentou drasticamente. Assim como a estimativa de vida do trabalhador. A média passou ser de trinta anos (de vida), aproximadamente, isso por dois motivos: extensa carga horária de trabalho e condições insalubres com muita poluição, utilização de recursos sem uma mentalidade sustentável.

Além dessas alterações sociais outras vieram na esteira. A mudança climática em decorrência da emissão de gases; a poluição dos rios; a mudança na alimentação devido ao desmatamento; a introdução de novos alimentos, etc. Todos esses elementos incidiram sobre a vida das pessoas de forma a modificar definitivamente a relação entre ser humano e natureza.

No início do século XX o avanço das ciências e consequentemente das indústrias catalisaram o processo que já vinha em curso. Nesse período a proposta tanto capitalista, quanto socialista não levou em consideração o elemento natureza de forma adequada, pois ambos os programas se utilizaram na natureza de forma a explorá-la.

O pensamento marxista caracteriza-se por sua crítica ao capitalismo, sobretudo, pela exploração do trabalhador e pelo lucro exagerado do patrão em relação ao empregado. A empreitada de Marx e dos pensadores que se posicionam como marxistas sempre teve esse viés de crítica e proposição de um modelo que superasse o capitalista, entretanto, o compromisso em alinhar com o progresso e com o mercado, de certa forma, não desvelou o olhar para uma realidade que contemplasse a temática ambiental, como salienta Michael Löwy.

Quer seja marxista ou não, o movimento operário tradicional na Europa – sindicatos, partidos sociais-democratas e comunistas – permanece ainda profundamente marcado pela ideologia do “progresso” e pelo produtivismo, chegando até mesmo, em alguns casos, a defender, sem se questionar muito a energia nuclear ou a indústria automobilística (LÖWY, 2014, p.42).

Noutras palavras o que Löwy indica que tanto comunismo, quanto capitalismo se mantiveram na esteira do progresso (entendido como desenvolvimento do sistema de produção e consumo). Nisso não há distinção entre ambas as propostas. Também há de ser pontuar que o chamado “socialismo real” teve suas mazelas ligadas à exploração da mão-de-obra trabalhadora criando uma hegemonia das classes dirigentes do Estado, que não diferenciava da proposta capitalista em linhas gerais.

Tendo por bases essas realidades e constatações históricas Löwy pretende orientar o pensamento no sentido de uma revisão dos paradigmas marxistas alinhados com uma perspectiva de desenvolvimento sustentável e, consequentemente, uma crítica ao capitalismo. A isso é denominado ecossocialismo. Nas palavras do autor a definição dá-se no seguinte sentido: “Trata-se de uma corrente de pensamento e de ação ecológica que faz as suas aquisições fundamentais do marxismo – ao mesmo tempo que o livra de suas escórias produtivistas” (LÖWY, 2014, p.44).

Já nessa definição pode-se delimitar sua ação e proposição. A corrente de pensamento se insere numa perspectiva crítica do produtivismo, que marcou parte do pensamento marxista. Nesse sentido, Löwy dá um passo importante na tentativa de distanciar a pensamento das possíveis similitudes que possa haver com a proposta capitalista. Não se trata de concorrer ou utilizar-se de ferramentas do mercado. O intuito é outro, pois há uma retomada da natureza crítica do pensamento marxista e sua proposição contemporânea em relação ao meio ambiente.

Löwy continua sua argumentação: “para os ecossocialistas a lógica do mercado e do lucro – assim como a do autoritarismo burocrático de ferro e do “socialismo real” – são incompatíveis com as exigências de preservação do meio ambiente natural” (LÖWY, 2014, p.44). Ou seja, trata-se de uma nova proposta relacionada às demandas do tempo presente e de suas necessidades.

É importante essa distinção, pois desvincula a proposta das que foram apresentadas historicamente como representantes de um socialismo real, que na verdade nada mais foi do que a reprodução do sistema capitalista com outro nome e outros ideais, que não levaram em conta uma questão de suma importância para a humanidade.

Em algumas críticas de Marx e Engels aparece o tema da natureza como elementos a serem considerados, mas no século XIX o desenvolvimento do capitalismo ainda não tinha se dado da mesma forma que se deu na passagem para o século XX. Diante dessa e outras limitações históricas alguns “passos” necessitam ser dados no sentido de um alargamento metodológico, ou seja, uma forma de entender a realidade e fazer proposições sem abandonar os princípios do socialismo (como sociedade igualitária) e tendo o marxismo como ferramenta de articulação.

Por que a defesa de um sistema de crítica ao atual modelo capitalista? Essa pergunta é necessária e importante para nos orientar além de ajudar a pontuar algumas questões. Basicamente o motivo se dá por dois fatores. O primeiro é que a produção e consumo ilimitados instigados pelo mercado e pela ambição de algumas pessoas pelo acúmulo de capital e altos lucros colocando em risco o equilíbrio ambiental e biodiversidade do planeta não é justificável sob hipótese alguma.

Se o mundo seguir o exemplo de consumo de países como os EUA em seu modelo de vida e acúmulo em poucos anos uma crise ecológica sem precedentes tomará conta da humanidade, pois reservas de petróleo, fontes naturais e energéticas serão exauridas. Indaga-se: qual é a necessidade de produção e consumo em excesso?

O segundo motivo é econômico e sociológico. A sociedade de consumo gera uma desigualdade econômica e social abissal entre ricos e pobres. Desse modo constata-se que 2/3 da humanidade vive abaixo da linha da pobreza. Isso é fruto do desenvolvimento de uma economia de mercado que não deu certo para esse contingente de pessoas. Essas pessoas legadas a miséria extrema pelo capitalismo ou sobreviverão da escória do sistema de produção, isto é, do que sobra do mercado e não é consumido pela faixa do 1/3 restante ou morrerá não podendo sobreviver ao nefasto sistema econômico.

Esses dois motivos elencados tratam de uma realidade premente e (se não for evitada a tempo) pode legar a humanidade crises sucessivas tanto no que tange à sobrevivência miserável, quanto a crises ambientais como novos vírus, descontrole no clima e influencia na produção de produtos básicos necessários à sobrevivência humana.

Mudanças climáticas tendem a alterar os ciclos da natureza ou fazer com que os mesmos sofram alterações consoante a sua intensidade. Uma chuva forte pode comprometer a produção de soja, milho, arroz, assim como sua ausência por períodos prolongados. Tais mudanças relacionam-se diretamente com a ação humana e mecânica no meio ambiente. Na maioria das vezes essas intervenções ocorrem com o intuito de suprir demandas de consumo criadas por conglomerados que tem por intuito o aumento de seus lucros.

Para efeitos didáticos necessitamos definir o termo socialismo. Já foi exposto que a proposta defendida por Löwy visa desvencilhar-se definitivamente do chamado “socialismo real”. Por vezes termos tendem a se confundir e serem tomados por referencias que são inverossímeis. Não é por que um grupo ou uma experiencia utilizou um termo que tal termo passa a ser propriedade dela.

O termo socialismo é amplo e poliforme. Em suma diz respeito a tendência comum e decisão coletiva de indivíduos numa sociedade democrática e voltada para interesses comuns em que a preservação da vida e da coletividade tenham supremacia sobre o lucro, produção e o mercado.

Mais uma vez há drástica diferença no que toca aos modelos implantados sob a alcunha de socialismo. Em muitos casos o que houve foi uma hipervalorização do Estado e burocratização das decisões em que a população pouco ou nada podia opinar. Não é esse o caso defendido por Löwy, mas sim um sistema democrático e de participação conjunta.

No sentido de produção e economia qual seria, então, a proposta do ecossocialismo? Tal pergunta necessita de uma reflexão, assim como, um aporte crítico em analogia ao capitalismo, mas em suma Löwy defende o seguinte:

Uma reorganização do modo de produção e de consumo é necessária, fundada em critérios exteriores ao mercado capitalista: as necessidades reais da população (não necessariamente "pagáveis") e a preservação do meio ambiente. Em outras palavras, uma economia de transição para o socialismo, "re-inserida" (como diria Karl Polanyi) no meio ambiente social e natural, porque fundada na escolha democrática das prioridades e dos investimentos pela própria população-e não pelas "leis do mercado" ou por um politburo onisciente (LÖWY, 2014, p.48).

Quando se trata de abordar a coletividade os instrumentos como plebiscitos e referendo são os mais aconselháveis. Nesses casos a população decidiria quais produtos, por exemplo, seriam subvencionados ou mesmo distribuídos gratuitamente; qual matriz energética será adotada; quais opções serão utilizadas para o transporte, etc. Isso sempre considerando a sustentabilidade e necessidade coletiva.

A tendência dessa proposta é sinalizar para um novo lugar que ainda não foi alcançado, por isso denominada de utópica, pois envolve um não lugar, ou seja, um lugar ainda não alcançado (utópos – greg. lugar ainda não alcançado). Isso tende a reinserir as pessoas no processo produtivo; diminuir o abismo social e econômico entre a população.

No sentido teológico pensar o ecossocialismo na perspectiva apresentada é voltar-se para uma proposta comunitária e inclusiva, contempladora dos mais pobres e vulneráveis socialmente. Por isso, pode-se sinalizar para a consonância que há dessa proposta com a postulada pela pregação evangélica centrada nos valores do Reino de Deus, que se constitui na expressão de comunhão fraterna entre as pessoas e com a natureza.

Uma proposta comprometida com valores de igualdade, justiça e fraternidade não pode se furtar a crítica da desigualdade e dos malefícios proporcionados pelo sistema capitalista, assim como, a economia de mercado.

Enquanto milhões de pessoas estiverem sem dignidade para viver e se portar nesse mundo; enquanto homens, mulheres e crianças viverem abaixo da linha da pobreza; enquanto poucas pessoas continuarem detiveram uma riqueza desproporcional não há possibilidade de um projeto coletivo igualitário.

Por isso a proposta defendida por Löwy é teológica, pois detém-se em combater o ídolo moderno do capital juntamente com o mercado, que se colocam como centro do mundo e detentores de “poderes” capazes de solucionar os problemas da humanidade.

O que na linguagem marxista é chamado de fetiche, ou seja, um feitiço, encanto, falsa impressão é problematizado pela proposta ecossocialista e sinalizam para novas possibilidades de se construir uma teologia contextualizada e condizentes com as demandas do tempo presente. Se a criação for um dos elementos que devem ser levados em consideração na relação do ser humano como Deus essa proposta vem a somar na empreitada de se pensar novas possibilidades saudáveis e sustentáveis.

REFERÊNCIA

LÖWY, Michael. O que é ecossocialismo? São Paulo: Cortez, 2014.

  

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