Caminhos (per) corridos

 Numa sociedade profundamente desigual e com marcas terríveis da escravidão quem é negro (descendente direto ou indireto) sofre as consequências de forma visceral. 

Pode parecer uma reclamação sem sentido e para alguns "desculpa esfarrapada", mas a verdade é que só quem sente na pele sabe do que se trata. A discriminação social é uma coisa que se apresenta na sociedade de forma estrutural. Lembro-me até hoje quando eu era seminarista e tinha um cabelo "black power". As pessoas me olhavam de forma estranha e com desdém. Alguns professores e professoras diziam: corta esse cabelo! Mas aquilo tinha uma dimensão simbólica de libertação e liberdade. 

Com o passar dos anos transpus a questão estética para a linguagem. Minha escrita se tornou algo livre, libertário, subversivo e contestador. Sou um transgressor por natureza. Por isso muita gente prefere manter distância, mesmo me acompanhando de perto. Entende? 

Há pessoas que acompanham meus escritos; leêm e dizem apreciar, mas não podem compartilhar por que temem sua reputação. Não sei qual é a real impressão que passo às pessoas (de maneira geral). Muitas me têm como santo, outras como herege, uma como inteligente e sensível e outras como revolucionário e perigoso. 

Aos que estão em posição superior a minha deve causar certo desconforto me ter por perto, pois aprendi com a vida a fazer leituras de grupo e análises de conjuntura. Como me insiro no escopo da negritude minha presença torna-se algo ainda mais perigoso. 

Já estou na casa dos 40. Olho para trás e vejo muitas lutas. Algumas vitórias e muito mais derrotas. Muita experiência e muitas cicatrizes. Cometi muitos erros, mas estou tentando acertar mais do que nunca. Tenho deixada de lado meu ímpeto revolucionário e contestador para pensar de forma mais pragmática e responsável. Vamos ver no que dá.

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