Bom dia, Verônica

 


Uma das séries policiais brasileiras de excelência. Assim pode ser descrita a primeira temporada de “Bom dia, Verônica”, que traz os bastidores das investigações policiais tendo como protagonista a escrivã, Verônica, interpretada por Tainá Müller.


A trama tem as mulheres protagonizando do início ao fim as cenas e histórias. Os primeiros episódios começam com o caso de algumas mulheres que foram enganadas por um charlatão, que tirava fotos delas (após tê-las dopado) e as chantageava. Em comum todas tinham o mesmo perfil: mulheres que passaram por cirurgia para redução de peso.


Esse primeiro momento da série chama atenção para a problematização e padronização de beleza imposta pela sociedade. Nessas circunstâncias a mulher “tem” que ser magra para ser considerada uma “mulher de verdade”. O próximo passo? Ela “tem” que ter um homem bonito ao seu lado.


Duas coisas se destacam nessa parte. A primeira delas diz respeito a uma “convenção” social que pauta os padrões de beleza. Quem disse que a mulher gorda é feia? Quem disse que para ser bem sucedida necessita-se de um corpo atlético? São normatizações que vão se estabelecendo e ganhando conotações de normalidade e fazem com que muitas pessoas gastem tempo, dinheiro, energia para se envolver em troco de uma aceitação social.


Outro elemento é a idealização de que para ser feliz é necessário estar num relacionamento. Uma mulher não pode ser bem-sucedida sendo solteira? Porque esse padrão de que é necessário ostentar um relacionamento feliz com outra pessoa? Já nessa parte muitas não aguentam a pressão e chegam ao ponto de atentar contra a própria vida. A série se inicia com a cena de uma mulher indo à delegacia prestar queixa e se matando logo em seguida
Destaca-se ainda a estrutura machista que domina certos setores do Estado. No caso em questão, a polícia. Quando as queixas chegam as mulheres vítimas são descreditadas, evidenciando a máxima de que “a culpa é sempre da mulher”. Por vezes, essa fala vem de outras mulheres que não compadecem da dor de sua semelhante.


Na transição da narrativa é apresentada a história do tenente-coronel da polícia militar Brandão (Eduardo Moscovis) e sua esposa, Janete (Camila Morgado). Janete não consegue gerar filhos. Todas as vezes que fica grávida sofre aborto espontâneo. Quando isso ocorre o esposo rapta uma menina (geralmente do interior do país); realiza um ritual sádico com ela e a mata. Brandão faz isso e coloca uma caixa de madeira vedada sobre a cabeça de Janete obrigando-a ouvir e ver alguns vultos do ritual numa cena de tortura psicológica.


Nesse segundo momento sobressai a passividade de Janete e o sadismo de Brandão. Janete é privada de uma vida social com amplos contatos externos (internet, por exemplo). Embora isso aconteça tem acesso à televisão aberta. O caso das mulheres vítimas de assédio e abuso ganhou repercussão e Janete teve acesso à Verônica. Ligou algumas vezes para denunciar o marido, mas não conseguiu ser eficiente nas primeiras tentativas. Essa parte da série é uma das mais dramáticas, pois mostra a condição de muitas mulheres na sociedade brasileira. Janete é dona de casa; não tem qualquer tipo de renda. Se ela denunciar para onde vai? Voltar para a casa dos pais? Isso sem contar que o histórico de Brandão não depõe contra ele, ou seja, ele é acima de qualquer suspeita e tem a prerrogativa da inocência. Complicado, não? Imagina isso acontecendo aos milhares...


Janete exerce um papel ambíguo e desperta várias sensações. Em dados momentos se apresenta como uma pessoa determinada, que quer pôr fim ao seu sofrimento e das moças que seu marido sequestra para realizar os rituais. Mas seu medo e sua condição de “mulher submissa” a impedem.


A trama segue como um jogo de xadrez até um ponto em que Verônica é advertida pelo delegado Antônio Grassi (Milton Carvana) a não se envolver demais na investigação. Nesse meandro algumas vezes Verônica vai visitar seu pai e outra parte da história passa a ganhar a cena e ligar-se com a história de Brandão e a delegada Anita (Elisa Volpato).


O pai de Verônica havia descobrido uma rede que adotava crianças e as preparava para ocupar posições estratégicas na sociedade (delegados, juízes, promotores, políticos, etc.). Tratava-se de uma rede de “domínio e poder”. O pai de Verônica — não aguentara a pressão e matou a esposa atirando contra si logo em seguida. Entretanto, não morreu e ficou em estado vegetativo. Ela foi advertida por Grassi a não continuar. Brandão gozava da proteção e anuência da rede, Anita fazia parte da rede.

O dilema chega num desfecho com a morte de Janete por Brandão; a morte de Grassi e a tentativa de homicídio sobre Verônica que reaparece no último episódio.


A despeito da teoria da conspiração e rede de influência optou-se por uma linha não muito convencional, mas não se pode descartar a possibilidade de existência de redes de favorecimento dentro das esferas do poder público. A rede retratada na trama é similar a que atribuem à sistemas filantrópicos como maçonaria, carbonários, templários, etc. Essa parte parece um pouco apelativa, pois dificilmente uma rede aos moldes do que é proposto na trama se sustentaria.

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