THE HANDMAID´S TALE - Distopia do possível


The Haindmaid´s Tale ou o "Conto da Aia" é fruto de um livro que virou série. Farei alguns comentários sobre os dois livros: “O conto da Aia” e “Os testamentos” e também sobre a série (de forma geral).

A história se passa nos Estados Unidos e mostra que grande parte do país passou a ser governada por um regime totalitário. Sim. Grande parte, pois não foi todo o país que passou a ser regido pela “República de Gilead”. Esse nome faz alusão a um lugar bíblico em que um dos patriarcas do Antigo Testamento teve uma experiência mística.


A República de Gilead se pauta por valores, aparentemente, bíblicos em sua formação e funcionamento. Os antecedentes do golpe não são trabalhados de forma detalhada em “O conto da Aia”. Algumas passagens, contudo, sinalizam para o que aconteceu. Sabe-se que houve um golpe de Estado que levou ao poder um grupo chamado “filhos de Jacó”. O golpe ocorreu depois de uma série de atentados no país. Como mostra Atwood: “foi depois da catástrofe, quando mataram a tiros o presidente e metralharam o Congresso, e o exército declarou estado de emergência. Na época, atribuíram a culpa aos fanáticos islâmicos” (ATWOOD, 2017, p.208).

Na verdade, quem orquestrou e perpetrou o golpe foi o grupo “filhos de Jacó”. Com isso tomaram o poder e começaram um “caça às bruxas” com relação a grupos e comportamentos que consideraram inadequados.

O contexto retratado é de uma sociedade em que havia um alto nível de infertilidade e degradação do meio ambiente. Haviam relações homoafetivas e relações heteroafetivas que não eram consideradas “padrão” pelo grupo que assumiu o poder. Qualquer casamento que não fosse “o primeiro” era considerado adultério, assim como as relações homossexuais.

As primeiras medidas tomadas em relação às mulheres foram de cassação de direitos. Emprego, contas em banco e outras atividades teriam que ser suspensas. As mulheres passariam a dedicar-se ao ofício do lar. As mulheres se dividiam em alguns grupos.

Aias: reprodutoras. Eram mulheres consideradas férteis e passavam por um processo nos chamados centros vermelhos – uma espécie de lavagem cerebral – para aprenderem a procriar sem questionar. Elas eram estupradas pelos comandantes com o consentimento e ajuda de suas esposas (inférteis). A prática era alusiva a esterilidade de Raquel (esposa de Jacó), que pediu para a serva conceber filhos sob suas pernas.


Marthas: cuidadoras do lar. Responsáveis pelas casas dos comandantes. Uma espécie de governanta da casa.

Tias: treinadoras das aias. Geralmente mais velhas com acesso às classes superiores da sociedade. Elas podiam ler – ao contrário das outras mulheres, inclusive mulheres dos comandantes.

Pérolas: Essa categoria aparece em “os testamentos” e diz respeito às missionárias de Gilead em outros países (Canadá aparece como exemplo).
Uma sociedade teocrática

Passo, a partir de agora, a fazer uma análise mais subjetiva da obra.

A instauração do governo totalitário (dispótico) apresentado por Atwood é fruto de uma cessão da democracia e crença impávida nas instituições. O golpe que resultou numa república teocrática foi fruto do não posicionamento de determinados grupos frente ao desrespeito com relação aos seus direitos.

A mulher foi xingada, desrespeitada e não levou adiante a questão. A lésbica foi discriminada e não protestou. Com esses pequenos gestos e ganhando pequenos espaços o grupo conservador foi, gradualmente, flertando com o poder. Por fim armam um golpe de Estado, culpando os árabes e instauram um governo machista e teocrático.

“Os testamentos” fornece uma visão mais ampla sobre Gilead.  O que se constata? A hipocrisia dos moralistas. Nessa obra a personagem “tia Lydia” aparece de forma surpreendente. Ela que havia sido uma das articuladoras do regime, cansou-se e resolver ajudar a implodir Gilead. Como era a tia mais famosa sabia o histórico de todas as pessoas. Os comandantes e suas esposas – já no regime – haviam cometidos inúmeros delitos. Todos foram acobertados e dissimulados visando culpar terceiros, ora aias, ora olhos, ora Marthas. Cada tempo uma pessoa era culpada.

Se é verdade que por trás de todo moralista se esconde um vigarista. Gilead mostra isso de forma evidente. Soma-se a isso o discurso messiânico e religioso que a cada dia ganha mais espaço nos meios sociais, sobretudo, na América Latina.

Qualquer líder ou plataforma que pretenda moralizar a política e oferecer seguranças às pessoas diante de situações caóticas necessitam também ser analisado com desconfiança.

Outra questão que chama atenção no regime é a interpretação machista e conservadora da Bíblia. O grupo “filhos de Jacó” faz uma coisa perspicaz: proíbe as mulheres de lerem a Bíblia. Qual seria motivo? Certamente porque as mulheres são a corrente crítica mais acentuada aos regimes políticos e teológicos. O poder da interpretação e fala em posse das mulheres ameaça a hegemonia machista e excludente. Nesse escopo podemos incluir as sexualidades homoafetivas. Qual é o medo de uma interpretação heterodoxa? A perda das posições de privilégio, certamente.

Gilead é a antítese da liberdade. Por isso a liberdade é um exercício de eterna vigilância. 

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