Caminhos para a superação do racismo*


O mundo viu um país em chamas. Se engana quem pensa que seja uma metáfora. Literalmente os Estados Unidos foi incendiado em alguns estados por conta da morte de George Floyd (negro) por um policial branco. No mesmo mês do ocorrido o Brasil se viu diante da morte de um menino negro da periferia do Rio de Janeiro de nome João Pedro pela polícia militar e pela morte de outro menino negro Miguel, que foi deixado sozinho no elevador pela patroa da mãe e caiu o 9º andar no Recife. Essas mortes ganharam repercussão nacional e internacional, mas e o racismo do dia-a-dia?

Do ponto de vista histórico o metodismo tem uma tradição de luta abolicionista incentivada por John Wesley ao parlamentar Wilberforce. Na ocasião Wesley disse que a luta pela abolição era uma missão que Deus havia conferido ao parlamentar e que ele não deveria retroceder nessa empreitada[1].

No Brasil se presencia o racismo em diversos setores da sociedade. Os casos que eclodiram ao redor do mundo e ocorrem em várias localidades do país mostram que o assunto ainda é pauta e necessita-se aprofundar a questão para sua superação e reparação dos prejuízos dessa prática discriminatória em relação à população negra.

Algumas alternativas podem ser pensadas para a superação do racismo, sobretudo, nas comunidades de fé.

A primeira delas (e principal) é a educação. As ações missionárias da igreja são todas elas pedagógicas, uma vez que, estão em consonância com os ensinos de Jesus Cristo. Tanto os espaços de pregações e ensino, quanto as demais atividades das igrejas circundam em torno desse espaço pedagógico e a educação é o caminho pelo qual nos libertaremos das amarras do racismo.

Nossas histórias e memórias devem ser contadas e recontadas a partir de um viés descortinador, isto é, conferindo voz e vez às pessoas que estão à margem dos sistemas tidos como hegemônicos. Precisa-se voltar à história de Wesley com Wilberforce; o entusiasmo metodista pela santidade social; a busca pela perfeição cristã e o prisma da igualdade e isonomia que sempre caracterizou nossa fé. A partir disso pode-se contextualizar a história da negritude no Brasil, que depois da abolição da escravidão teve apenas duas opções: continuar como escravo (consentido) ou ir para a margem do sistema, posto que, adotou-se uma política de “embranquecimento” que privilegiou a mão-de-obra europeia e asiática (alheia ao sistema de produção brasileira) em detrimento da mão-de-obra negra (que já conhecia todo o sistema)[2].

As condições não foram iguais para negros. Isso deve ser repetido e destacado. Por isso não se pode fingir que os pressupostos são iguais: não partiram todos do mesmo ponto. Europeus e asiáticos receberam incentivos do estado. O negro, nada. Muitos patrões recusavam-se a pagar por aqueles e aquelas que trabalharam a vida toda de graça para eles. Preferiram investir em outra mão-de-obra. Construiu-se então a ideia do “negro vagabundo”: uma “fake News” (para utilizar um termo atual).  Somente pela educação que pontue a história do negro no Brasil e sua luta por direitos e igualdade de condições é que se pode superar o ideal do racismo. Educação. Primeiro passo para a superação do racismo.

O segundo ponto a ser destacado são as ações afirmativas. A Igreja Metodista possui um excelente trabalho com sua pastoral de combate ao racismo e outras afirmações da identidade negra. Isso precisa ser trabalhado na comunidade de maneira pedagógica. Importante salientar que o intuito é mostrar que a identidade negra foi e é parte da construção histórica do país tendo em vista que o racismo se mostra velado, mas de forma estrutural, sistêmica e ambiental, por isso é necessário que se reafirme a identidade do negro como parte integrante da construção do Brasil e não como subserviente[3].

Por racismo estrutural entende-se a formação das elites político-econômicas que não contemplam o negro em sua formação. Sistêmica pelo fato de que se repete como um sistema fechado sem possibilidade de abertura equitativa. Ambiental (ou geográfica) por que se delimita um limite (invisível) para que o negro não tenha acesso e fique relegado a determinados ambientes de menor expressão econômica.

Por fim necessita-se de uma leitura teológica contemporânea partindo das teologias contextuais. Um dos grandes avanços nos estudos bíblicos e antropológicos é o resgate das tradições perdidas. Os antigos hebreus eram negros muito influenciados pela cultura egípcia. Moisés, libertador de Israel, era um homem negro e a cultura negra africana foi uma das grandes formadoras do mundo antigo[4]. O próprio Jesus de Nazaré se situava numa miscigenação cultural de Israel: “a Galileia das nações” e foi fortemente influenciado pela cultura africana do Egito e negra do norte de Israel.

Tais chaves de leitura são possíveis por meio de estudos bíblicos contemporâneos. A raiz da história da salvação é negra. Isso não pode ser negado e nem omitido.

Pela releitura da história, ações afirmativas e aprofundamento teológico pode-se ajudar a combater o racismo nas comunidades de fé. Para tanto é necessário que as lideranças empenhem-se no ensino e na busca por esse ideal, pois o metodismo caracteriza-se, entre outras coisas, pela ênfase e empenho nos estudos e nos combate às desigualdades.


Luis Fernando de Carvalho Sousa – Superintendente da Escola Dominical e professor na igreja Metodista em Cidade Alegria. Distrito de Resende – RJ. 1ª Região Eclesiástica.

*Texto publicado no Expositor Cristão (jornal da Igreja Metodista) edição de junho de 2020.  

[2] SOUZA, Jessé. A elite do atraso: da escravidão à Lava-Jato. Rio de Janeiro: Leya, 2017.

[3] Gostaria de fazer menção de alguns nomes que atuaram e atuam na luta contra o racismo na Igreja Metodista: Melchias Silva, pastora Kaká, Diná, Neusa, André Ras, Deise Gomes, Oswaldo de Oliveira Santos, Andreia Fernandes, Lídia Maria, José Loiola e bispo Paulo Ayres. Além de outra dezena de pessoas. Esses me ajudaram a compreender a importância da luta conta o racismo na igreja e, de certa maneira, são co-responsáveis por essa reflexão, uma vez que, fazem parte dela.  
[4] Dussel, Enrique. El humanismo semita. Buenos Aires: Eudeba, 1979.

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