Viver é resistir

(Eu não queria escrever esse texto...).
Essa semana duas imagens fortes marcaram minha vida. A primeira é de um jovem de nome João Pedro que foi morto com um tiro. O jovem era evangélico, tinha 14 anos de idade. Seus sonhos e projetos foram abortados por uma política de extermínio. A outra imagem é de um homem, já imobilizado, sendo asfixiado até a morte por um policial. Em comum: as duas vítimas eram pessoas negras.
Quem vive e que morre? Essa é a grande pergunta. Na introdução sobre a “necropolítica” Achille Mbembe delimita a questão. “Este ensaio pressupõe que a expressão máxima da soberania reside, em grande medida, no poder e na capacidade de ditar quem pode viver e quem deve morrer. Por isso, matar ou deixar viver constituem os limites da soberania, seus atributos fundamentais”. (MBEMBE, 2016, p.123). A política “da morte” é tratada pela alcunha, “necro”, por seu caráter dizimador de determinada classe de pessoas.
Gordon no prefácio de “Pele negra, máscaras brancas” já argumentava que “estudar os problemas enfrentados pelas pessoas negras, as próprias pessoas passam a ser o problema” (FANON, 2008, p.5). Por que? Porque sua existência interpela o “status quo” da maioria branca, que inconformada com a não subserviência do negro, passa a agir de forma violenta tentando forçar a subalternidade daquele que ela considera inferior.

Como existir sem incomodar? Fanon diz que a colonização e domesticação do negro se faz quando o branco dita como ser e não ser. “Sim, do negro exige-se que seja um bom preto; isso posto, o resto vem naturalmente. Levá-lo a falar petit-nègre é aprisioná-lo a uma imagem” (FANON, 2008, p.47). Quando isso não ocorre o negro gera estranhamento social e faz com que seja alvo de uma política de extermínio.
O negro resiste
Pensando bem a existência do negro como pessoa de bem na periferia interpela o sistema de maneira visceral. Quando o negro existe em meio a elite precisa ser domesticado em sua linguagem e seu modo de ser. Quando existe na periferia precisa fazer o papel do mal que ocupa o imaginário do branco (FANON, 2008). Quando isso não ocorre o sistema se incomoda ao ponto de buscar o extermínio e dizimação da alteridade “perturbante” de esse Outro lhe causa.
Isso incomoda tanto o sistema que o Estado em seu exercício de soberania passa a decidir a arbitrar sobre as vidas. Como diz Mbembe. “Nesse caso, a soberania é a capacidade de definir quem importa e quem não importa, quem é “descartável” e quem não é.” (MBEMBE, 2016, p.135).
Vidas negras importam.

Fanon em “condenados da terra” diz que uma das formas de resistência é a violência. Penso de acordo com Bourdieu: a violência é simbólica. Para esse sistema que entende a vida do povo negro como ameaça e não a tolera: viver é resistir. Escrever é resistir. Viver na periferia e ser uma pessoa de bem é resistir.
A necropolítica está aí. Basta desvela-la e lutar contra ela.
Luis Carvalho. Mais um negro. Mais um pobre. Mais um sobrevivente.


FANON, Frantz. Pele negra máscaras brancas. EDUFBA, Salvador, 2008.
MBEMBE, Achille. Necropolítica. In: Arte & Ensaios. Dez. 2016. N.32. p.123-152. Disponível em https://revistas.ufrj.br/index.php/ae/article/view/8993

Comentários