O reinado de Josias e a reforma do culto



O reinado de Josias (640-609 a.C.) marca uma importante transição no Reino Sul. O Reinado de Manassés foi desastroso para Judá, por isso construiu-se uma resistência no interior do poder monárquico. Amnon reinou por dois anos em seu lugar e logo foi assassinado por um grupo que paulatinamente foi assumindo o poder: o povo da terra.

Essa tomada do poder por esse grupo ficou conhecida como revolução de 640 a.C. em que esse grupo de camponeses resolve assumir a direção política do reino do sul e dar um golpe de estado, matando Amnon e colocando Josias no poder. Na prática isso corresponde a governar por meio de uma criança, pois na ocasião do golpe Josias tinha oito anos de idade (2 Rs. 21,24).

Quem era esse povo da terra? Povo da terra do hebraico ‘am ha’ares de acordo com Frank Crüsemann era uma elite campesina judaíta que tomou o poder na revolução de 640 a.C. e passou a manipular a política do reino do sul. Eles eram camponeses e tinham seus interesses. Por esse motivo manipularam a política de Josias para favorecer lhes. Vejamos a contundência da frase de Crüsemann “O ‘am ha’ares não tinha nenhuma força política acima de si, e o estado estava totalmente em suas mãos.” (CRÜSEMANN, 2002, p.300). Isso já explica muita coisa.

A reforma de Josias só ocorre, de fato, no ano de 622 a.C., portanto, dezoito anos após o golpe de estado dado pelo povo da terra. Josias, certamente, deve ter aprendido a se portar como estadista com seus “assessores”. Ao que parece realizou uma política de coalizão juntando interesses do campo e da cidade, naquilo que se pode chamar de “pacto nacional”, conforme afirma Schwantes “Este é, ao meu ver, um novo pacto entre Jerusalém, que fora duramente derrotada em 640 a.C. e os camponeses. É uma espécie de pacto nacional, na qual campo e cidade são reconhecidos em seus novos papéis e direitos” (SCHWANTES, 2008, p.50).

Ao campo interessava a volta do tribalismo e o culto a Javé como único Deus e à cidade o interesse da centralização do culto em Jerusalém. Esses elementos fizeram com que os interesses convergissem e Josias fosse capaz de realizar sua reforma.

O culto a Javé havia sido profanado. As desigualdades entre os reinos do norte e sul tinham se acirrado de maneira brutal. Campo e cidade não se entendiam mais. O povo estava desunido e desmotivado. Havia necessidade de um monarca que fizesse algo em prol da unidade. Diante dessas demandas que aparece a figura de Josias.

Jeremias que atuou como profeta no sul e pregou em algumas ocasiões no norte elogiou a atuação de Josias como um rei pacificador e promotor de justiça (Jr. 22, 15-16). Em diversas ocasiões o profeta conclamou o povo do norte (Jr. 3,6. 11-12; 30,3; 31,1. 5).

Se fizermos uma análise simbólica com correspondência no Novo Testamento Josias sinaliza para Jesus sendo reverenciado pelos magos no evangelho de Mateus como o rei-menino. Josias, o rei menino aponta para a justiça messiânica que virá e redimirá todo o povo. Essa correspondência é necessária, sobretudo, para entender o prelúdio do evangelho de Mateus.

Voltando à questão histórica da reforma de Josias ocorrida em 622 a.C. os elementos que se destacam são: valorização do campo (interessando o povo da terra); centralização do culto em Jerusalém (contemplando do povo da cidade) e a reforma do culto (unificação da nação).

A profetiza Hulda. Hulda aparece como profetiza e sua importância é confirmar a validade do rolo da Lei encontrado pela reforma de Josias. Os poucos versículos a seu respeito se encontram em 2 Rs. 22, 11-20. Seu marido trabalhava servindo a corte de Josias. Na época em que Hulda foi consultada Jeremias exercia seu ofício profético também. Entretanto, não foi consultado sobre a veracidade do rolo.

O rolo era o conteúdo da peça de Deuteronômio 12-26. Trata-se de um texto que advoga em favor do tribalismo; do estado sem muita intervenção na autonomia das tribos e o melhor um texto que advogava em favor da liberdade de terras; comércio e relações sociais. Em suma, beneficiava os camponeses e, de certa maneira, não desagradava o templo. Basicamente era tudo o que o povo da terra queria.

A pergunta crucial é: por que Josias consultou somente Hulda? Deve ser por que Jeremias criticava o templo e as instituições de Israel (Jr. 26, 11) e insistia numa justiça com equidade (Jr.7,21-23). Enquanto isso Hulda era profetiza da corte. Provavelmente não iria contra as instituições. Contudo deixa sua crítica profética – não aos moldes de Jeremias, obviamente.

Schwantes diz assim a seu respeito: “Hulda também não vê futuro para Jerusalém, será “objeto de espanto e execração”. Tanto para Hulda como Sofonias a reforma não era coisa para os pobres. Era mais um acordo entre as pessoas do poder em Jerusalém (rei e templo) e em Judá (camponeses mais abastados)” (SCHWANTES, 2008, p.52).

Mesmo com algumas limitações podemos observar que a crítica de Hulda reconhecia que a reforma de Josias foi conduzida por uma elite e favoreceu essa elite. E os pobres? Bom, esses vão ser arduamente defendidos pelos profetas. O tribalismo levado ao extremo tende a defender os pobres e contempla-los. Entretanto se observa que o povo da terra utilizou-se disso de maneira seletiva buscando proveito próprio para a situação.

REFERÊNCIAS:

CRÜSEMANN, F. A Torá. Vozes: Petrópolis, 2002.
MESTERS, C. O profeta Jeremias. Paulinas: São Paulo, 1992.
SCHWANTES, M. Breve história de Israel. Oikos: São Paulo, 2008.



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