Comunidade e diálogo: Paulo Freire e a educação cristã


Introdução: tratar do tema da educação não é tarefa das mais fáceis, sobretudo, nos dias de hoje em que a educação sofre um de seus maiores retrocessos, seja pela falta de políticas públicas ou pela má gestão de seus responsáveis. Nas instituições de ensino privado o que se visa é o lucro. Nada mais. Definitivamente a educação tem sido vista como mercadoria. Já no âmbito das religiões os retrocessos são notórios. Interrupção de financiamento de pesquisa; demissão de docentes; processos trabalhistas, etc.
Em meio a tudo isso é necessário sinalizar para caminhos de esperança possíveis. Como salvar o processo? Essa tem sido a questão crucial. Como voltar a se reencantar com a educação? É necessário pensar num caminho que desperte o prazer e a “mágica” de ensinar com ato de amor, coragem diálogo e comunhão.
Por isso nos propomos a pensar o caminho amoroso da educação através de três momentos. Primeiramente pontuando o perigo de uma educação autoritária e alinhada com os ideais de dominação e exclusão; depois partiremos do ideal comunitário como um dos meios de se superar o autoritarismo e romper com a educação excludente para por fim propor o diálogo como uma forma de amor e caminho possível para pensar a educação.
1.      O problema da educação autoritária
A educação cristã ao longo dos anos sempre esteve sujeita às mudanças ligadas as condições em que ela foi concebida. Em tempos passados ela esteve ligada ao modelo oral de transmissão, posteriormente ao modelo de repetição. Esses modelos visavam fortalecer a ordem vigente e reforçar a dominação dos poderosos e exclusão dos “pequenos”. Com as mudanças ocorridas no mundo e a valorização da “periferia” do conhecimento não se pode conceber mais a educação cristã como simples transmissão de conhecimento e legitimação da ordem.
Há modelos de transmissão de conhecimento que optam pelo referencial de transmissão-formatação-legitimação. Como exemplo, podemos citar o livro Emílio do filósofo francês Jean-Jacques Rousseau. A tônica da obra é fazer com que todas as pessoas fossem concebidas como “tábulas rasas” para que fossem preenchidas pelo conhecimento emancipador (que no caso visava à legitimação dos valores burgueses iluministas).
Por detrás dessa ideia estava o intuito de fazer com que as pessoas fossem formatadas a um padrão de educação burguesa. Quais eram os problemas disso? O primeiro é que as pessoas passam a ser tidas como alvos a serem preenchidos. Com isso se despreza o conhecimento subjetivo de cada uma; a segunda questão é que se educa para reproduzir e não para pensar.
A complexidade dos assuntos que envolvem a fé cristã nem sempre possui respostas prontas. Para responder algumas questões necessita-se de exercícios e esforços (em muitos casos árduos). Quem nunca foi pego de surpresa em uma questão que não soube responder? Ou ainda, quem, quando indagado a respeito de um assunto, não teve dúvidas e precisou consultar a terceiros para encontrar a solução?
Para melhor respondermos essas e outras questões recorreremos ao pensamento de Paulo Freire para nos ajudar a repensar o papel da educação como promotora de autonomia e liberdade (responsável) ao indivíduo.
Um dos modelos que Freire sempre criticou foi o de “educação bancária”, que pode ser descrito da seguinte maneira: o professor fala e o educando ouve. Não há interação; diálogo; pluralidade de olhares. Vejamos como Freire resume o modelo “bancário” de educação:
Falar da realidade como algo parado, estático, compartimentado e bem comportado, quando não falar ou dissertar sobre algo completamente alheio à experiência existencial dos educandos vem sendo, realmente, a suprema inquietação desta educação. A sua irrefreada ânsia. Nela, o educador aparece como seu indiscutível agente, como seu real sujeito, cuja tarefa indeclinável é “encher” os educandos dos conteúdos de sua narração. Conteúdos que são retalhos da realidade desconectados da totalidade em que se engendram e em cuja visão ganham significação e, assim, melhor seria não dizê-la (FREIRE, 1988, p.33).
Na verdade, o que Paulo Freire está narrando atinge todos os âmbitos da educação, inclusive, a educação cristã, pois o que torna irrelevante e com baixa procura a área de ensino tem relação com o modelo que ensino que foi perpetuado. Paulo Freire não está tratando de forma específica de questões da educação cristã, mas mesmo assim toca num ponto que é caro às instituições religiosas: o ensino.
Talvez um dos pontos mais frágeis na atualidade das instituições cristãs seja a educação. A grande questão é se perguntar qual é o motivo. A resposta pode surpreender, pois tende a revelar que o modelo adotado seja o verdadeiro responsável pelo desinteresse e baixa procura dos educandos.
Se por um lado observa-se que há a necessidade de um fortalecimento no ensino e transmissão dos valores cristãos em nossas instituições; por outro não se tem um modelo educacional atraente e motivador que dê sentido e fale, diretamente, à realidade dos educandos. Isso, em partes, se deve ao modelo “autoritário” de educação que se adota. Vejamos mais uma ressalva de Freire com relação a esse modelo.
A narração, de que o educador é o sujeito, conduz os educandos à memorização do conteúdo narrado, Mais ainda, a narração os transforma em “vasilhas”, em recipientes a serem “enchidos” pelo educador. Quanto mais vai “enchendo” os recipientes com seus “depósitos”, tanto melhor educador será. Quanto mais se deixem docilmente “encher”, tanto melhores educandos serão (FREIRE, 1988, p.33).
Temos aqui uma clássica menção do que se tornou a educação: um verdadeiro “despejar” de informações sobre alguém. Tal prática não leva em consideração a subjetividade, individualidade das pessoas, além de tudo não se considera a informação e conhecimento adquirido previamente; não há diálogo; não há alteridade.
O conteúdo, seja ele qual for, deve ser sempre ministrado de maneira comunitária, dialogal e de forma interativa. Quando se trata de temas cristãos esse cuidado precisa ser redobrado, pois existem temas de domínios não exclusivos, isto é, não se necessita ocupar um cargo específico ou ter uma formação específica para dominá-los. Nesse sentido, uma pessoa “do povo” pode comentar; opinar e conseguir construir uma série de saberes sobre determinados assunto por meio de várias formas dentre as quais suas experiências de vida.
Às vezes a educação cristã visa mais doutrinar do que estabelecer um diálogo sobre a instrução de Deus sobre a vida das pessoas. Isso ocorre em diferentes áreas do saber. Não somente no âmbito das igrejas locais, mas também no âmbito da formação teológica. Em ambos os casos se observa a mesma tônica: muito conteúdo e pouca conexão entre teoria e prática. O bispo metodista João Carlos Lopes numa palestra proferida em 2010 nas dependências da Faculdade de Teologia da Universidade Metodista de São Paulo disse o seguinte:
[...] a igreja espera que a educação teológica enfatize mais o conhecimento da vontade de Deus do que o conhecimento de Deus. O professor Júlio Zabatiero abordou essa questão, insistindo que necessitamos de uma reflexão ou formação teológica que tenha como alvo principal a busca do conhecimento da vontade de Deus. Embora se afirme que a teologia é a busca do conhecimento de Deus, é preciso enfatizar que o conhecimento da vontade de Deus deve ser o principal alvo da reflexão e da formação teológica. Zabatiero apresenta algumas razões para isto. A primeira é a seguinte: Deus como alvo do conhecimento, vai ser sempre inatingível, porém sua vontade é totalmente revelada nas Escrituras. Alguém poderia contestar: “Mas Deus também não se revelou?” Certamente! Contudo o que conhecemos de Deus é infinitamente menos que Deus é em sua plenitude. Daí a ênfase no conhecimento da vontade de Deus. (LOPES, 2011, p.33).
Embora reconheçamos a importância da doutrina para o entendimento e compreensão da vontade de Deus, não podemos fazer isso de forma simplesmente imperativa. Precisamos “abrir” um diálogo entre criatura e criador. Para isso é necessário a ampliação dos horizontes para a percepção e absorção do conhecimento de Deus disseminado em todos os âmbitos da criação. Como fazer isso?
2.      A importância da educação em comunidade
Quando falamos em comunidade necessitamos pontuar que comunidade é o conjunto de pessoas que se reúnem com frequência para determinados fins comuns. A comunidade pode ser uma escola; uma igreja; um partido; uma associação de moradores ou outra entidade que reúna um grupo de pessoas.
A comunidade desponta como importante porque ela abriga pessoas de diferentes formações e histórias de vida. Quando isso acontece não se pode pensar que todas partem da mesma realidade. Numa comunidade de fé, por exemplo, podem conviver trabalhadores da construção civil e empresários; professores e médicos; advogados e diaristas. O encontro dessas realidades possibilita diferentes leituras e não se pode, por isso, conceber o grupo com um todo homogênico.
Temos, então, um dos maiores desafios da educação: a alteridade. A alteridade pode ser definida, simplesmente, como a capacidade de lidar com o diferente; o Outro. Talvez esse seja o dilema das comunidades religiosas, pois o ensino, na maioria das vezes, tende a “mesmificar” os indivíduos. Quando isso ocorre não se respeita o sentido nem da comunidade e muito menos o de alteridade.
Num processo de comunicação e compartilhamento de informações todas as pessoas devem ser ouvidas. Desde as mais cultas e letradas às mais pobres e vulneráveis. A hermenêutica da vida deve sempre primar por ouvir e valorizar os diferentes pontos de vista sobre determinados conhecimentos. É o que ressalta Dussel em relação à pedagogia de Paulo Freire:
Freire, em contrapartida, em sua pedagógica transmoderna de libertação, se apoia, em uma comunidade de vítimas oprimidas, imersas em uma cultura popular, com tradições, ainda que analfabetos, miseráveis..., (os condenados da terra). A causa de um educador nestas circunstancias pareceria desesperada; é o máximo da negatividade possível. Sem dúvidas Freire opina ao contrário. Para ele, no capítulo III de Pedagogia do Oprimido se ocupa do tema da (dialogicidade) como método que permite a prática de liberdade a os não livres; é a ação discursiva da comunidade dos sujeitos de sua própria libertação. A conscientização continua seu processo e se vai desenvolvendo com seu movimento de radicalização crescente (DUSSEL, 1998, p.437).
Mais do que falar e depositar conhecimento a educação deve se prestar a ouvir as pessoas em seus diferentes lugares de fala e suas diferentes compreensões de mundo. Diante de realidades tão plurais e heterogêneas que nos deparamos a tarefa de ouvir e entender a peculiaridade das pessoas deve ser a tônica que a educação necessita primar. Todos tem algo a contribuir. Essa é a ênfase que foi dada por Freire e ressaltada por Dussel. Não se pode entender que, por exemplo, numa classe somente o professor tenha a capacidade de ministrar o conteúdo, pois é na interação; vida em comunidade; encontro das realidades que o conhecimento floresce e surge de maneira democrática e pedagogicamente salutar.
O que é caro tanto a Paulo Freire quanto a Enrique Dussel é o conceito e exterioridade, que trata de pessoas à margem dos sistemas de dominação-estruturantes. Elas não são descritas pura e simplesmente por sua condição social, mas podem ser representadas também por sua categoria social: mulher, negro, índio, jovem e outro grupo qualquer que não seja contemplado pelos sistemas de dominação.
A ‘exterioridade’ é a condição prática da crítica da “totalidade” dominadora.  “Pelo que, ademais, dita “exterioridade” é o lugar da realidade do outro, do não-Capital, do trabalhador vivente em sua corporalidade, todavia não subsumida no capital.” (DUSSEL, 1998, p.366). Depreende-se disso que a exterioridade é a distinção do Eu dominador, conquistador, presente no horizonte do sistema estruturante em relação àquele que se encontra à margem deste sistema ou, em outras palavras, o Outro que se revela e interpela o sistema. Com afirma Dussel:
 O rosto do homem se revela como outro quando se apresenta em nosso sistema de instrumentos como exterior, como alguém, como uma liberdade que interpela, que provoca, que aparece como aquele que resiste à totalização instrumental. Não é algo, é alguém. (DUSSEL, 1977, p.47).
O próprio conceito de exterioridade traz implícita a noção de outros dois já mencionados: alteridade e Outro. A educação deve sempre visar à superação da homogeneidade e estruturação massiva para contemplar as diferenças e promover em conjunto com elas o diálogo comunitário na partilha do conhecimento.
O que se observa é que a partir do lugar de fala e condição concreta de quem fala é possível a tomada de consciência de “quem se é” e de “onde se quer chegar”. A pessoa que reflete sobre sua condição de vida consegue, a partir dela, fazer uma leitura coerente de mundo ruma em sentido à sua autonomia com liberdade responsável. Não é essa a função da educação cristã? Tomando ainda o pensamento de Dussel com relação aos pobres, camponeses e oprimidos em geral. Atentemos.
Não se encontram os oprimidos de Freire na (exterioridade) (como vítimas excluídas) social, cujo (diálogo começa na busca do conteúdo programático)? Não parte todo o pensamento crítico de Freire desde a dita (exterioridade), e por tanto, se converte todo o processo democrático participativo que cria nova validade antihegemônica, em uma mediação da consciência (ético-crítica) para (transformar o mundo)? (DUSSEL, 1998, p.437).
Aqui temos vários itens que tocam temas transversais da fé cristã. Em primeiro lugar o tema da exterioridade. A igreja cristã é por excelência uma comunidade que está na exterioridade. Por quê? Porque não se conforma com os padrões estabelecidos pelos sistemas estruturantes. Tanto o capitalismo (de esquerda ou de direita, por exemplo, não são verossímeis aos valores da fé cristã). Em segundo lugar o tema da consciência ético-crítica, pois a igreja tende a ser o sinal do Reino de Deus em contraposição a injustiça e dominação. Os sistemas político-sociais (todos eles sem exceção) visam dominar as pessoas e a proposta da igreja é a libertação e corpos e mentes. Em terceiro lugar o governo democrático, comunitário e participativo. O ideal de governo de Israel no Antigo Testamento era o governo tribal. O governo monárquico sempre visou sufocar isso. Deus por inúmeras vezes levantou profetas e atentou para a volta às origens do tribalismo: o precursor da democracia no mundo antigo. Jesus retoma isso em sua pregação sobre o Reino de Deus. Em várias passagens faz menção desse Reino participativo e democrático. Nesse sentido a função da educação cristã também é atentar para esse valor inegociável. Por meio desses valores, certamente, a manifestação do Reino de Deus se fará de maneira mais coerente e justa.
3.      A importância do diálogo como método de aprendizagem
A palavra diálogo é a contração de duas palavras gregas: diá-lógos. Lógos é a palavra. Princípio formador e gerador. Para os gregos antigos o lógos estava ligado à razão; ao conhecimento. O termo relaciona-se de forma direta à expressão de uma verdade; conhecimento e pensamento. Já a palavra diá faz conexão com a ideia de divisão; compartilhamento. Portanto ipsis litteris diálogo significa dividir a palavra; a fala; a conversa, o... Ensino.
Por que falar de diálogo na educação cristã? O termo diz respeito ao encontro; ao partilhar de ideias; ao trocar de experiências. É o espaço em que o Eu encontra o Outro. Dialogar é sair de si; é transcender. Quando costumeiramente trabalhamos o termo transcender a primeira ideia que se tem é a religião ou outro assunto da esfera “metafísica”, por assim dizer, mas transcender também faz relação com o sair de si em direção a outrem; à necessidade do outro; ao respeito à diferença.
Paulo Freire assim caracteriza a importância do diálogo:
Por isto, o diálogo é uma exigência existencial. E, se ele é o encontro em que se solidariza o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e humanizado, não pode reduzir-se a um, ato de depositar ideias de um sujeito no outro, nem tampouco tornar-se simples troca de, ideias a serem consumidas permutantes (FREIRE, 1988, p.45).

Nesse contato de um com outro é que se apresenta a riqueza do ensino. Não é somente um depositar ou uma ministração de conteúdos e conceitos, mas o compartilhar que se faz importante. Nessa dinâmica o que desponta é a relação dialética em que ambos os conhecimentos irrompem num terceiro lugar não alcançado e que pode sinalizar para novos horizontes de ação utópicos. Sim. Utópicos. Utopia no sentido de não-lugar, isto é, lugar inalcançado, mas plenamente possível. A educação dialogal visa libertar consciências aprisionadas em sofismas invencionices para sinalizar a liberdade com autonomia.
Cada ser humano possui valores e verdades que move e dá sentido há alguma coisa de sua vida. Entretanto, muitas dessas verdades e valores são construídos sob falsos conceitos e distorções da realidade. Quando ocorre o choque dessas informações e o desvelamento das “falsas certezas”? No diálogo. É no encontro com os valores e verdades das outras pessoas que se pode fazer o confronto de realidades e entender quais são as causas; motivos; razões ou circunstâncias que leva cada pessoa a ser como tal.
Paulo Freire aprofunda o conceito de diálogo ligando-o ao conceito de amor. Em suas palavras: “Não há diálogo, porém, se não há amor profundo ao mundo a aos homens. Não é possível a pronúncia do mundo, que é um ato de criação e recriação, se não há, amor que infunda” (FREIRE, 1988, p.45). Do ponto de vista cristão fica difícil não se lembrar das palavras de Jesus no evangelho de João quando diz a Nicodemos “Deus amou o mundo de tal maneira, que deu seu filho unigênito para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha vida eterna” (João, 3.16).
Dialogar só é possível havendo amor. Mais uma vez recorreremos ao texto bíblico para fundamentar nosso argumento. O evangelista João diz em seu prólogo que Jesus era o verbo e esse no princípio era Deus. Se Jesus era o verbo (e o amor em sua expressão máxima) podemos inferir que dialogar inclui parte desse amor. A palavra é o diálogo; a divisão de ideias e tarefas. Essa é função da educação cristã: primar por esse princípio; por esse diálogo; esse compartilhar.
No sentido da educação o único caminho é o da divisão de mundos; visões; experiências para que se possa rumar sentido conhecimento de forma saudável e equilibrada. A educação pode se dar também por meios coercitivos e de exercício de poder e dominação, entretanto, esse não é o melhor rumo a ser tomado, pois tende a despertar o que há de pior no ser humano: o desejo de ser senhor do outro. Nessa condição a manipulação; domínio dos corpos e centralização dos discursos serão sustentáculo das vaidades e vontades de quem exerce o poder.
O ser humano tem a tendência de querer dominar para se sentir importante. Essa é uma questão antropológica que acompanha a constituição do humano desde seus primórdios. Somente por meio da desconstrução desse conceito – através da educação, sobretudo – que esse (e outros entraves) pode(m) ser superado(s). Mais uma vez recorreremos a Paulo Freire para entender sua posição em relação ao diálogo e amor.
Sendo fundamento do diálogo, o amor é, também, diálogo. Daí que seja essencialmente tarefa de sujeitos e que não possa verificar-se na relação de dominação. Nesta, o que há é patologia de amor: sadismo em quem domina; masoquismo nos dominados. Amor, não. Porque é um ato de coragem, nunca de medo, o amor é compromisso com os homens. Onde quer que estejam estes, oprimidos, o ato de amor está em comprometer-se com sua causa. A causa de sua libertação. Mas, este compromisso, porque é amoroso, é dialógico (FREIRE, 1988, p.45).
Partindo do pressuposto que o amor é um ato de coragem a educação que promove o diálogo também o é. Necessita-se ter coragem para se abrir; ter os conceitos confrontados e a partir deles construir ou reconstruir novos caminhos, rumos e tendências. Aos poucos se percebe que os conceitos vão ganhando forma e sinalizando para uma tomada de posição do educador como facilitador do processo de formação cristã.
Pensemos na visão bíblica da criação e manifestação de Jesus Cristo. Alguns textos do Antigo Testamento dão a ideia de três divindades que conversavam entre si (Gn. 1,26-27). A isso se dá a ideia não de um conhecimento absoluto, mas de uma comunidade relacional, que de tão grandiosa transborda, não cabendo em si. Esse é o tema do artigo do professor Cláudio Ribeiro, O Deus que não cabe em si. Nesse primoroso texto Ribeiro faz a seguinte menção:
A concepção trina de Deus, com sua respectiva visão dialogal em si mesma a partir do relacionamento, mão isenta de tensões entre o Pai, Filho e o Espírito, torna-se o modelo social por excelência que reforça a alteridade, o diálogo e comunhão. A criação é um ato trinitário e, portanto, é compreendida na dimensão de comunhão e de participação (RIBEIRO, 2010, p.64).
A posição de Ribeiro corrobora o que temos afirmado ao longo de nossa argumentação, isto é, o diálogo; a comunhão e o respeito à alteridade são cernes da tradição bíblico-teológica cristã. Dessa forma, promover o diálogo e a educação comunitária é somente dar continuidade ao que já estava estabelecido, tanto na tradição, quanto nos princípios fundamentais da educação.
Quando Ribeiro menciona as possíveis tensões existentes no seio da Trindade o faz não no sentido de desentendimentos ou discordâncias, mas defende o principio da alteridade em que a pessoalidade de cada um é respeitada da forma devida. O consenso não isenta a tensão. Na comunidade da Trindade a pessoalidade de cada componente evidencia a tensão, mas deixa implícito que o proposito maior prevalece ao fim para a manutenção do bem comum.
Outra questão que necessita ser pontuada é a da manutenção das decisões conciliares para o bem comum. A comunidade da Trindade tinha um objetivo comum. Não obstante sua pessoalidade o objetivo foi mantido de forma a preservar o propósito final. Sendo a educação uma ferramenta de promoção de liberdade e autonomia ela necessita manter-se fiel a esse principio. No que tange à educação cristã tendo como prisma o Reino de Deus, ela também necessita ajustar-se a essa necessidade, portanto, não pode submeter-se a pretextos e distorções em relação a seus propósitos. Vejamos o que Ribeiro tem a dizer sobre a contribuição da experiência Trinitária como dialogal e comunitária.
A experiência comunitária e relacional própria da Trindade, uma vez percebida e assumida como valor, possibilita relacionamentos igualitários nas comunidades e demais agrupamentos humanos. As reflexões teológicas e as práticas pastorais firmadas na concepção trinitária possibilitam a compreensão da importância do outro na sinalização do Reino e na valorização da criação. Esse empreendimento se dá em comunidade e não em relações hierarquizadas ou no individualismo (RIBEIRO, 2010, p.65).
Isso sem dúvidas também se aplica à educação cristã. Por isso a assertiva de Ribeiro coaduna com nossa premissa de que sem diálogo, respeito e alteridade a educação visando à libertação se torna impossível.
Precisamos sempre atentar para esse prisma. O diálogo educacional necessita ser democrático em todos os sentidos, por isso dialogamos com Paulo Freire e sua proposta de educação para liberdade e autonomia do sujeito.
Conclusão: a tarefa da educação é desvelar as falsas aparências do mundo. Por isso a educação cristã é primordial para sinalizar o Reino de Deus em meio a um mundo corrompido como o nosso. Nesse sentido, não podemos prescindir dos referenciais que tocam em temas comuns aos princípios cristãos. É nesse caminho que Paulo Freire encontra-se com a temática do Reino, de Jesus e com os valores da igreja.
É comum encontrar oposições ao legado Paulo Freire a seu pensamento. Às vezes isso é feito por quem nunca leu alguma obra sequer do autor. Costuma-se fazer críticas de coisas que nunca se leu. Nunca se conheceu de perto. Isso é um erro dos mais grotescos. A verdadeira crítica é aquela que é feita com propriedade; partindo do conhecimento do objeto.
Observamos que tanto Freire, na verdade, sinaliza para uma porta para se pensar o tema da educação cristã. Podemos, a partir disso, refletir de outras formas e maneiras visando sempre fazer com que os ideais do Reino de Deus sejam ministrados com sabedoria e responsabilidade.

Referências:
DUSSEL, Enrique. Ética de la liberación: en la edad de la globalización y de la exclusión. Madrid: Editorial Trota, 1998.
DUSSEL, Enrique. Filosofia da libertação na América Latina. Loyola: São Paulo, 1977.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
LOPES, João Carlos. O que as igrejas esperam da educação teológica. In: SOUZA, José Carlos (Org.). Educação teológica no século 21: rumos e perspectivas. São Bernardo do Campo: Editeo, 2011, p.31-36.
RIBEIRO, Cláudio de Oliveira. Teologia em curso: temas da fé cristã em foco. São Paulo: Paulinas, 2010.

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