Dois papas
O filme “Dois papas” exibido pela Netflix é uma abordagem
sobre poder e carisma na igreja. Fernando Meirelles foi magistral em mostrar os
dois lados do poder. Não foca somente no lado sociológico e nas disputas
internas, mas introduz o elemento espiritualidade e humanidade na análise.
Por vezes lemos análises sociológicas e, até mesmo, das ciências
da religião sobre igreja, poder carisma, economia, etc. Sempre respeitei a pertinência
delas, mas sempre fiz objeções também. A igreja não é só poder pelo poder.
Óbvio que há disputa pelo poder, mas não só isso. Há muita coisa envolvida.
Coisas obscuras, ações compreensíveis outras nem tanto. Contudo, havia falta de
uma abordagem carismática na maioria dos artigos e análises que se
disponibilizam. Dessa vez o diretor acertou em cheio.
O filme trata da questão de forma ampla. Não esconde que há
problemas e falhas, mas destaca que o que move os religiosos é a
espiritualidade. Ao abordar a frieza e dogmatismo de Bento XVI faz um
contraponto com sua infância fria, dura e seu refúgio nos estudos e dogmas
religiosos.
Do ponto de vista da psicanálise Bento XVI em sua infância sublimou
seus desejos, projetando-os na instituição e em seus mecanismos. É
compreensível sua postura dura e fria. Ao ler “Igreja, Carisma e Poder” de
Leonardo Boff pouco se compreende sobre Ratzinger, mas a abordagem de Meirelles
mostra outro lado: o "constructo" da frieza humana por conta de circunstâncias
compreensíveis.
Além disso tem-se a dimensão de que quando se lida com
poderes institucionais há limitações. Nem sempre quem exerce função de
liderança pode tudo - contrariando o que muita gente pensa. O poder possui
limitações. Há um equilíbrio a ser mantido. A estrutura demanda mais do que capacidade
intelectual e carismática. É um jogo que desgasta a saúde física, mental e
espiritual.
Se a construção do personagem de Bento XVI caminha de um
homem frio para um homem carismático, a antítese em relação ao Francisco é
semelhante. O diretor não esconde as falhas do homem Jorge Bergoglio, suas idiossincrasias
, desapontamentos e fraquezas.
Não se esconde nem mesmo a atuação de Bergoglio na ditadura
argentina. Um papel, aliás, demasiado contraditório. Apesar disso a figura de
Francisco é construída colocando como um pecador que foi eleito sumo pontífice
para ajudar a modificar a estrutura da igreja, conferir-lhe um tom mais
acolhedor e menos dogmático.
A Igreja Católica é firmada sobre o primado de Pedro, seu
primeiro bispo. Pedro foi um homem pecador. Ele tinha suas dubiedades. É assim
como todo líder cristão. Amor, piedade e misericórdia são elementos que não
podem ser perdidos de vista.
O filme mostra as contradições do papado de Bento XVI quando
foi complacente com os casos de pedofilia. Assim como mostra as contradições de
Bergoglio quando foi complacente com a ditadura. Pecados estruturais? Quem não
os tem?
Por fim fica a imagem de que em meio a todo esse emaranhado
há um elemento maior que permeia a sustenta essa estrutura: a espiritualidade.
De certa maneira o Reino de Deus é a arte de conviver com o contraditório.
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