É possível falar sobre luta de classes nos dias de hoje?
Tem ocorrido um movimento no Equador que reacende um velho
debate: ainda é possível falar em luta de classes? Diante de uma sociedade
pluralizada e segmentada qual é a atualidade do pensamento marxista?
Sem dúvidas a obra de Karl Marx e Friedrich Engels é
extensa. Um artigo para falar do legado desses dois pensadores deveria ter uma
amplitude e abordagem que demandaria um labor teórico gigante. Não é nosso
intuito aqui tratar dessa amplitude. A alternativa mais coerente seria tomar
alguma obra importante dos autores e partir dela para analisar verossimilitude
com a realidade.
Assim faremos partindo de “Manifesto do Partido Comunista”.
O texto é datado de 1848 – período da segunda revolução industrial na
Inglaterra. A Europa já vivia sobre a ascensão da burguesia e estava num novo
período de sua história.
Aquela Europa feudal, rural com seus nobres e sua pompa
cedia lugar ao sistema frio, urbano e cruel. As relações de produção – quase familiares
– passaram a ser administradas e tratadas como simples números pelos capitalistas
– o termo se refere aos detentores dos meios de produção.
A massa de trabalhadores procriava – por isso o nome proletariado
(oriundo da palavra prole) – e trabalhava para a subsistência. A média de vida
era de aproximadamente trinta anos de idade. Essa era a realidade. As
contradições mostravam-se cada vez mais profundas com os ricos cada vez mais
ricos e os pobres cada vez mais pobres.
Nesse contexto é escrito “Manifesto”. É importante salientar
que a ideia de comunismo estava ligada ao pensamento de Proudhon. Já existiam
ideias denominadas comunistas, mas não havia um pensamento sistematizado e com
bases científicas suficientes. Marx e
Engels se empenharam nessa tarefa, por isso o pensamento desses dois foi
denominado de comunismo científico.
Quando os autores mencionam que:
“[...]a nossa época, a época da burguesia, caracteriza-se
por ter simplificado os antagonismos de classe. A sociedade divide-se cada vez
mais em dois vastos campos opostos, em duas grandes classes diametralmente
opostas: a burguesia e o proletariado”.
Estão desvelando um pensamento óbvio do sistema. Numa
sociedade de classes há quem manda e quem obedece. O grupo que detém os meios
de produção não quer que os trabalhadores reconheçam a força que têm, por isso
os alienam. Mas há um momento que as contradições se acirram de tal modo que o
conflito é inevitável.
O Equador tem vivido
isso de maneira real. A contradição do sistema neoliberal – desdobramento do
capitalismo – tem feito com que indígenas, trabalhadores, camponeses e
funcionários públicos se insurjam contra o governo reivindicando melhores
condições de vida e de trabalho, protestando assim contra a nefasta política do
sistema de mercado.
Chegou –se a um ponto em que o trabalhador vira simples e
puramente uma moeda de troca. Isso também já havia sido sinalizado no texto dos
pensadores comunistas
“A burguesia despojou de sua auréola todas as atividades até
então reputadas veneráveis e encaradas com piedoso respeito. Do médico, do
jurista, do sacerdote, do poeta, do sábio fez seus servidores assalariados.
A burguesia rasgou o
véu de sentimentalismo que envolvia as relações de família e reduziu-as a
simples relações monetárias”.
A pergunta que se faz é: que tipo de relações monetárias? A
política do mercado é inflar de atividades produtivas para pagar cada vez menos
a cada vez mais pessoas. O resultado é o que se pode observar. Uma massa de
desempregados sobrevivendo de sub-emprego. O sistema de mercado é mestre em “sucatear”
profissões e pagar cada vez menos às pessoas.
Não somente no Equador é observável essa política, mas
também no Brasil e em diversos países em que essa política é aplicada. Acirram-se
as contradições; evidenciam-se os antagonismos e a luta está posta.
Analisemos esse trecho:
“Pela exploração do mercado mundial a burguesia imprime um
caráter cosmopolita à produção e ao consumo em todos os países. Para desespero
dos reacionários, ela retirou à indústria sua base nacional. As velhas
indústrias nacionais foram destruídas e continuam a sê-lo diariamente. São
suplantadas por novas indústrias, cuja introdução se torna uma questão vital
para todas as nações civilizadas, indústrias que não empregam mais
matérias-primas autóctones, mas sim matérias-primas vindas das regiões mais
distantes, e cujos produtos se consomem não somente no próprio país mas em
todas as partes do globo”.
Não é isso que tem acontecido no Brasil? Onde estão as
indústrias nacionais? Por que a nacionalização do petróleo venezuelano é motivo
de tanta controvérsia? Será que é por que se luta, de fato, contra as grandes
corporações que visam dominar o mercado financeiro mundial?
Também é importante destacar que Marx, sobretudo, se utiliza
da dialética para fazer sua análise da história. Para ele sempre houve o binômio
necessidade-contingência, por isso a história é pautada na luta de classes. Uns
querendo dominar e outros lutando para não serem dominados
Nesses pequenos trechos com algumas inferências pudemos
observar que o acirramento da luta de classes propicia a tomada de consciência e
o despertamento para a luta e reivindicação de direitos frente à realidade de
opressão e exploração do sistema de mercado.
Vejamos agora em que momento há confluência dos ideais dos
trabalhadores com o comunismo.
“O objetivo imediato dos comunistas é o mesmo que o de todos
os demais partidos proletários: constituição dos proletários em classe,
derrubada da supremacia burguesa, conquista do poder político pelo proletariado”.
Por isso que
“As concepções teóricas dos comunistas não se baseiam, de
modo algum, em idéias ou princípios inventados ou descobertos por tal ou qual
reformador do mundo. São apenas a expressão geral das condições reais de uma
luta de classes existente, de um movimento histórico que se desenvolve sob os
nossos olhos. A abolição das relações de propriedade que têm existido até hoje
não é uma característica peculiar e exclusiva do comunismo”.
Por comunismo se deve entender o sistema que deseja o bem
comum e o igualitarismo. Algumas experiências devem servir de base para não se
implantar um totalitarismo acrítico, mas deve-se ter em mente que a sociedade
deve primar pela igualdade e pela justiça. Isso é impossível numa sociedade em
que não há limite para acúmulo de riqueza e aumento da pobreza.
O exemplo de países como Equador e Argentina são reais e nos
mostram que a política de exploração do trabalho e massificação da pobreza
gerarão indubitavelmente a revolta popular e uma possível revolução.
Pode se utilizar do referencial marxista para falar de luta
de classes nos dias atuais?
Os trechos utilizados nessa postagem são do texto em PDF do “Manifesto do Partido Comunista”
Comentários
Postar um comentário