Coringa
O filme “Coringa” é uma obra-prima digna de ser assistida
por mais de uma vez. O filme é intrigante e cheio de críticas sociais e
políticas. Isso somado ao bom-humor e valorização do personagem principal como
contraponto à normalidade da sociedade capitalista.
Arthur é um palhaço mal sucedido que cuida da mãe doente.
Vai à psiquiatra; se droga (com remédios farmacêuticos que não são outra coisa
além de drogas) e vive sua medíocre vida. Num estado quase miserável e morando
num lugar deplorável se droga para poder sobreviver.
De início pode-se observar a critica à sociedade
hipocondríaca, que precisa viver dopada em suas drogas para não se revoltar com
a miséria do sistema. Arthur é mal sucedido, mas seu sofrimento é amenizado
pelas quase uma dezenas de remédios que sua psiquiatra lhe prescreve.
A psiquiatra é agente do estado. O próprio estado produz a
doença social e oferece a cura. Tudo em nome do controle social e financeiro.
A cidade de Gordon está um caos, sob a iminência de uma
epidemia de ratos. O mais cotado para assumi-la é um rico empresário que parece
nem se importar com o sofrimento dos pobres. Utiliza-se da desgraça alheia para
se promover politicamente.
Nada mais real. Nada mais atual. O sistema capitalista
através de sua volúpia indecente e busca obsessiva por lucros e metas provoca o
desequilíbrio social; promove o caos e depois (como se nada tivesse acontecido)
promete a solução. É a política das empresas; multinacionais; multibilhonárias
que acabam com a vida sustentável do planeta e depois se arvoram para
“salvá-lo” do caos.
Um belo dia Arthur vai à psiquiatra e esta o informa que por
motivos políticos – ligados aos interesses dos poderosos – não poderá mais
prescrever as drogas que dopam Arthur. Ele passa a viver sem ser anestesiado;
dopado; alienado.
Paralelo a isso acontece um programa no estilo “talk show”com
altos picos de audiência. Arthur é fã do apresentador. Ri com sua mãe durante a
exibição dos programas, que nada mais são do que outra espécie de dopante para
dissimular os reais problemas sociais.
Qual droga é mais perecível? A farmacológica ou a midiática?
Arthur é agredido em seu ofício – trabalha como palhaço – é
despedido por conta de um cartaz – que nem foi ele que pegou. Seu amigo se
solidariza e lhe dá uma arma “de presente”. Em seus últimos momentos como
empregado da empresa volta para casa; tem uma crise de riso (uma espécie de
patologia que lhe acompanha desde criança); é agredido no metrô, mas dessa vez
não é como as demais. Se ao menos tivesse suas drogas farmacológicas... Arthur
atire e mata três jovens ricos no metrô.
A repercussão dos homicídios toma a cidade. Não apenas pelo
fato em si, mas por que a partir daquele ato se evidencia que há duas
realidades distintas: ricos e pobres. O sistema parece receber seu golpe mais
duro. A morte dos rapazes desperta protestos dos pobres contra os poderosos.
Afinal, quem se preocupa com milhares de pobres relegados à própria sorte?
Milhares deles morrem todos os dias em filas de hospitais; por tiros e
perseguições; abandonados; deprimidos. Por que a morte de três ricos é mais
importante do que a dos pobres?
Arthur aparece como uma espécie Zaratustra, pois ao mesmo
tempo que é louco se porta como questionador e mestre. Seu papel é questionar o
sistema e suscitar ponderações sobre os diferentes prismas pelos quais se pode
viver a vida.
Quem é louco? Quem é são? Quem produz a loucura? Quem está
livre dela?
A sociedade capitalista produz loucos. O sistema deixa as
pessoas loucas. A loucura é produzida. As pessoas são levadas a se conformarem
nos sistemas de produção e normatividade impostos, gerando enorme aviltamento
psíquico. Essas são situações colocadas na pauta para serem questionadas e
pensadas.
A mãe de Arthr, Penny Fleck, escreve sistematicamente cartas
ao grande empresário candidato a prefeito pedindo-lhe ajuda. Em um de seus
devaneios conta a Arthur que o empresário é seu pai. O rapaz vai averiguar a
história e descobre que, na verdade, foi adotado, espancado e maltratado quando
crianças pelos namorados da mãe adotiva. Descobre ainda que sua mãe sofre de
várias patologias. O que o leva a asfixia-la no leito do hospital.
Depois disso é visitado pelo amigo que lhe forneceu a arma.
Mata-o com uma tesourada e vai ao show de seu ídolo a convite.
Numa de suas tentativas frustradas em ser humorista se
aventura num “stand up” e seu vídeo “viralisa” (pouco pela qualidade e mais
pela imbecilidade; piadas sem sentido algum e ataques de riso). O tiro sai pela
culatra; as pessoas gostam de Artur.
Paralelo a isso há uma grande manifestação dos pobres. Todos
vestidos de palhaços. De certa maneira, todos se sentem contemplados pela morte
dos três rapazes e entendem que o caminho é evidenciar as contradições sociais
e lutar pelos direitos dos pobres e despossuídos.
A morte dos três rapazes é um mistério. Há uma investigação
em curso para saber sobre o autor. As classes subalternas se identificam com o
palhaço (assassino anônimo dos rapazes). Os pobres são os palhaços do sistema.
Arthur vai ao programa para qual foi convidado. Pede para
ser chamado de Coringa; revela que foi ele quem matou os rapazes. Ao vivo,
diante das câmeras mata o apresentador.
Mais uma vez há aqui a critica à sociedade do espetáculo. A
mídia diuturnamente não explora a tragédia? Então, nada mais sensacionalista do
que um apresentador sem morto em pleno programa; ao vivo.
Arthur era um louco ou foi enlouquecido pelo sistema?
A sociedade capitalista produz seus loucos e pretende, ao
final, descarta-los socialmente. O filme mostra uma espécie de esquizofrenia
produtiva. Nem sempre os loucos são descartáveis; nem sempre os pobres serão
massa de manobra. Em meio aos delírios e devaneios Arthur consegue despertar na
sociedade o sentimento de revolta e mudança.
Todos os sistemas têm pessoas que vivem à margem. Será que
se um dias elas despertarem não haverá revolução?
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