Distopia do real
Confesso que a cada dia tenho mais dificuldades com as
utopias. Não somente com elas, mas tenho dificuldades com as ideologias rígidas
e teimosas. Não dá para saber se estou certo ou não. Como não ligo para isso.
Pouco me importam as certezas.
Esses dias tive a oportunidade de conversar com pessoas que
vivem sob uma ocupação. A conversa foi muito enriquecedora, pois não se trata
de teoria, mas de prática. A ocupação data de mais de duas décadas e não foi
legalizada. Há uma briga judicial. Enquanto isso a comunidade segue lutando
pela vida.
O líder da comunidade diz que não faz mais parte do grupo
que ajudou na ocupação. Em suas palavras o movimento social que os ajudou e
estar ali é um “produtor de miséria”. Não somente ele tem essa opinião, mas
quase toda a comunidade. O sentimento que predomina ali é de que foram usados
tanto por políticos como pelo movimento. Até hoje vivem sob condições
precárias. Falta luz, não há asfalto, as pessoas carecem de formação. Os
antigos líderes estão com suas contas abarrotadas e não vivem mais no meio do
povo sofrido que ali continua. O real é diferente do utópico.
Um dia, num passado não muito distante, eu fui entusiasta do
movimento que esteve na organização dessa ocupação. Sempre tive “um pé atrás”.
Questionava algumas coisas, algumas posturas que hoje estão bem nítidas para
mim.
Ideologias. São muito boas e necessárias. Assim como foi bom
para mim na infância manter a imagem do papai Noel, da fada do dente, entre
outras. Não há diferença de ideologia. Comunistas, capitalistas, democratas.
Todos só querem uma coisa: o poder.
Perguntei ao líder: o senhor é de direita ou de esquerda?
Ele disse para mim: “meu filho, que diferença faz? Estamos jogados aqui há esse
tempo todo e nem direita nem esquerda está aí para nós”. Foi nesse exato
momento que eu pensei: quanto tempo eu perdi na minha vida defendendo quem nunca
se preocupou com o povo.
Seja bem-vindo e bem-vinda. Inaugura-se uma nova fase da
minha vida: distopia do real.
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