Como ler 1 Tessalonicenses?
Em meio a tantas discussões sobre Paulo e escatologia faz-se
necessário um aporte para nos auxiliar a ler a primeira carta de Paulo à
comunidade de Tessalônica. O intuito desse texto não é induzir ninguém a ler o
texto com os mesmos olhos do escritor, mas somente situar algumas questões e,
principalmente, enfatizar que a teologia paulina esteve em constante revisão e
reconstrução.
Por que falar em revisão e constante construção? Isso se dá
pelo fato de Paulo mostrar nitidamente sua influência judaica na teologia, que
com a passar das cartas foi sendo abandonada. O Paulo de Romanos apresenta
maturidade e avanços, por exemplo, em relação ao Paulo de Tessalonicenses. À
medida que vai amadurecendo sua caminhada cristã, vai mudando algumas
perspectivas, entre elas a questão da parousia (vinda súbita de Cristo).
Os primeiros cristãos viveram fortemente o sentimento volta
de Jesus. Paulo deixa expresso em muitas de suas cartas o desejo de estar com o
senhor. Em 1 Ts afirma que “nós os que estivermos vivos seremos arrebatados” (1
Ts 4,17). O fato de mencionar “nós” e não “quem estiver vivo” abre margem para
se pensar que Paulo esperava mesmo que sua geração seria a última.
Começamos a tratar da carta de
Paulo por meio de sua datação. Parece-nos plausível a opinião de Hale que data
o escrito no início dos anos 50 da era cristã (HALE, 1983, p.227). O autor
ainda argumenta que o propósito é múltiplo não havendo um assunto específico
que Paulo tratou nessa carta.
É mister, também lembrar que essa
foi a primeira carta de Paulo e foi fortemente influenciada pela apocalíptica
judaica com forte ênfase no final do mundo e interferência abrupta de Deus na
história (MACHADO, 2009). Paulo era um judeu que pertencia a um grupo mais
místico com adoção de viagens celestiais, êxtases visionários e crenças em
revelações e contatos diretos com Deus.
Assim como outras cartas paulinas
o tom apologético parece embasar algumas de suas argumentações. Kümmel aponta
que: “os opositores contra os quais Paulo estava lutando em 1 Ts apresentavam
os mesmos pontos de vista (segundo Schmithals, eram eles gnósticos
judeu-cristãos) que os combatidos em Gl e em 2 Cor, e Paulo precisava
defender-se contra críticas idênticas”. (KÜMMEL, 1982, p.329).
Tudo indica que os “infiltrados”
na comunidade difundiram doutrinas místicas a respeito da morte e vinda do
senhor Jesus. Hale defende a hipótese de que Paulo pregou fortemente sobre a
parousia.
“Quando Paulo esteve lá, parte da mensagem foi acerca da iminente
volta (parousia) do Senhor.
Alguns, aplicando erroneamente o sentido das
palavras de Paulo, desistiram de trabalhar e estavam ociosos, vivendo do trabalho
dos outros”. (HALE, 1983, p.228).
Há indícios que as palavras de
Paulo foram deturpadas por seus algozes. Como se tratava de um tema de cunho
místico e futurista estava vulnerável às manipulações por esses líderes
religiosos, que faziam oposição à Paulo.
A isso Paulo respondeu com
palavras duras e propedêuticas no que diz respeito a morte e parousia. Aliás, a
oposição de grupos judaicos (e suas inúmeras ramificações) perseguiram Paulo
durante boa parte de seu ministério. Não foi diferente em Tessalônica. De
acordo com kümmel:
“Em Tessalônica, foram
evidentemente judeus locais que persuadiram a jovem comunidade cristã de que
Paulo era um mágico de espírito corrompido, que servindo-se de todo tipo de
truques, tentava autopromover-se empreendendo uma propaganda ambiciosa”.(KÜMMEL,
1982, p.331).
Como estava recém egresso do
judaísmo místico com forte ênfase mística e traumatológica as acusações de
charlatanismo e manipulação eram comuns. De maneira que esse contexto e noção
histórica ajudam na compreensão não somente da carta per se, mas também de seu entorno.
Talvez por desconhecimento e “boa
fé” Paulo escreve uma carta genérica, dando margem a interpretações ambíguas
que perduram até os dias atuais. Vejamos:
“Dizemo-vos, pois, isto,
pela palavra do Senhor: que nós, os que ficarmos vivos para a vinda do Senhor,
não precederemos os que dormem.
Porque o mesmo Senhor descerá do céu com alarido, e com voz de arcanjo, e com a trombeta de Deus; e os que morreram em Cristo ressuscitarão primeiro.
Depois nós, os que ficarmos vivos, seremos arrebatados juntamente com eles nas nuvens, a encontrar o Senhor nos ares, e assim estaremos sempre com o Senhor.
Portanto, consolai-vos uns aos outros com estas palavras”. 1 Tessalonicenses 4:15-18.
Porque o mesmo Senhor descerá do céu com alarido, e com voz de arcanjo, e com a trombeta de Deus; e os que morreram em Cristo ressuscitarão primeiro.
Depois nós, os que ficarmos vivos, seremos arrebatados juntamente com eles nas nuvens, a encontrar o Senhor nos ares, e assim estaremos sempre com o Senhor.
Portanto, consolai-vos uns aos outros com estas palavras”. 1 Tessalonicenses 4:15-18.
Não há menção de homem da iniquidade, anti-cristo e
apostasia. Nesse primeiro momento Paulo somente cita a reunião iminente com
Cristo sem outros precedentes. Isso levou naqueles tempos (a leva ainda hoje) a
interpretações equivocadas.
Não se sabe o motivo pelo qual Paulo foi econômico nas
palavras. Tudo leva a crer que não sabia com detalhes o que ocorria na
comunidade. Soma-se a isso o fato de ser inexperiente na liderança de uma
comunidade cristã.
O ensino paralelo e de “boca a boca” causava muita
confusão na comunidade. Como havia apelo místico e extático a manipulação por
meio de sinais e doutrinas fazia com que grupos disputassem proeminência e
liderança local. Como não havia nenhum evangelho escrito e as pregações
basicamente eram reinterpretações do Antigo Testamento e testemunhos orais as
dificuldades se avolumavam de forma gigantesca.
KÜMMEL, W.G. Introdução ao Novo
Testamento. São Paulo: Paulus, 1982.
HALE, D.B. Introdução ao estudo do
Novo Testamento. São Paulo: JUERP, 1983.
MACHADO, J. O misticismo
apocalíptico do apóstolo Paulo. São Paulo: Paulus, 2009.
Paulo foi abandonando a mística. Suas experiências místicas são pouco mencionadas. Tessalonicences é uma carta incipiente e bem particular, depois vamos notando que sua ênfase está na cruz e na ressurreição e na organização das comunidades e dos problemas comuns enfrentados.
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