Destino ou por vir?
Panorama
histórico das tradições
A
teologia hebraica rompe com algumas visões tradicionais comuns nos povos
antigos, tanto orientais, como ocidentais, pois inaugura uma concepção de
história horizontal e linear calcada na liberdade humana.
Se
atentarmos para a literatura grega (grande influenciadora da cultura ocidental)
com seus mitos e histórias, perceberemos que a concepção cosmogônica é baseada
em ciclos que sempre se repetem e o ser humano, nesse contexto não possui
liberdade para escolher ou mudar seu destino. Isso fica explicito em obras
como: O Édipo rei, Odisséia e mesmo
em Ilíada.
Semelhante
forma ocorreu com os povos da América, que em seu cotidiano esperavam a volta
de divindades, em alguns casos para se vingar e outros para fazer justiça.
Tomemos com exemplo a situação dos maias, que acreditavam serem os espanhóis
deuses que viriam salvá-los.
Assim
também ocorria com os cananeus, que em seu panteão divino, entendiam a vida
humana como produto de lutas entre deuses, com o desfecho predeterminado. As
histórias de Gilgamesh e Baal são apenas algumas das dezenas que figuravam
entre os povos orientais.
Diferente
dessa visão tem-se a teologia hebraica, que concebe o ser humano como um
sujeito livre e construtor de seu futuro, mas dependente de Deus. Salvo alguns
casos em que Deus intervém diretamente na história e influencia em decisões,
como nos casos de Jonas e Paulo e raros outros, não se pode afirmar que o ser
humano tem um destino programado e que será cumprido à risca.
Antropologia
hebraica
Considerações
preliminares:
O vocábulo “eth” no hebraico, possui um aspecto
temporal onde todas as ações humanas encontram-se limitadas pela vontade de
Deus. Provavelmente, conforme afirmam alguns estudiosos, é uma construção
teológica da chamada escola deuteronomista, que procura se justapor à lei
causa-efeito, que no livro de DT possui lugar próprio, visto que se hoje
guardar os mandamentos amanhã serás abençoado.
No
Eclesiastes já podemos encontrar o vocábulo eth
como inserção, acréscimo de uma teologia posterior que já não se limita apenas
a relação causa-efeito. Existem certos acontecimentos na vida do ser humano,
nesta perspectiva, que não podem ser controlados e determinados por ele mesmo.
Entra nesse aspecto a questão do sofrimento do justo, que nem sempre tem como
garantida a colheita daquilo que plantou, antes, porém, quem garante a
prosperidade e o tempo da colheita é Javé, ainda que o ser humano participe do
processo de forma ativa, como o lavrador que cultiva a terra, porém é Deus que
garante a colheita.
Eth; tempo não
vazio, mas preenchido por um acontecimento específico, determinado. Ecl 3, 1-8;
exemplifica o problema da limitação humana que não consegue fazer tudo ao mesmo
tempo. A enumeração de atividades deve ser compreendida neste sentido. Não se
trata de uma predestinação astrológica do tempo, nem de marcação de um destino
cego para cada instante, não se trata de um kairós,
mas do governo universal de Deus, cujas decisões o ser humano não pode mudar,
nem mo-dificar o conteúdo que atribui a cada instante.
Esta
determinação divina do tempo não anula a liberdade e responsabilidade humana. A
expressão repetida em Ecl 3, 1-10; “há um tempo para”, faz o tempo
pertencer não ao ser humano mas a determinadas atividades escolhidas por Deus.
O mesmo
acontece quando ocorre com sufixo possessivo em Dt 11, 14; “Darei a chuva da
vossa terra b’ito, no seu tempo”, onde neste caso o tempo
pertence à chuva como determinada por Deus, o ser humano não tem a mínima
possibilidade de interferir.
A única coisa
a ser feita é organizar o cronograma de suas atividades a fim de que o ser
humano não seja muito prejudicado por isso. O mesmo se dá com o amadurecimento
das frutas que “a arvore produz b’ito, no seu tempo” (Sl 1, 3).
O ser humano
é carente e não tem condições de dominar a experiência do tempo. Os
acontecimentos estão previstos e determinados pela vontade soberana de Deus no
pensamento do homem bíblico conforme expresso no Salmo 127.
O vocábulo eth
é tempo identificado e determinado por um acontecer. Este acontecimento que
determina eth pode resultar dos seguintes fatores:
a) das leis
da natureza, como “o tempo do seu nascimento” (Jó 39, 2); “tempo das
últimas chuvas” (Zac 10, 1); “pegarei as minhas colheitas no seu tempo”
(Os 2, 11);
b) do curso
da história, como “naquele tempo adoeceu Abdias, filho de Joroboão” (1
Re 14, 1) ou “naquele tempo Ratzin, rei da Síria, restituiu Elat à Síria”
(2 Re 16, 6).
c) De usos e
costumes, como “eis, ainda é bastante claro e não chegou ainda o tempo de
recolher o rebanho” (Gn 29, 7).
d) Das regras
da sabedoria e do bom comportamento: “como é bom uma palavra no momento
próprio” (Prov 15, 23).
e) De
contrato ou promessa, como: “foi na época em que Merab era para ser dada a
Davi...” (1 Sam 18, 19).
f) Por
decreto divino: “vem o tempo (da ruína)” (Ez 7, 7).
Podemos
compreender que o tempo no pensamento hebraico nunca é “meu”, ou seja, nunca o
ser humano exerce domínio sobre o tempo identificado pelo vocábulo eth.
p’nai tempo livre;
não ocorre na Bíblia. O ser humano não tem o domínio sobre o tempo e não pode
preenchê-lo por si só.
Compreensão sistemática
Comecemos
com o texto da queda: Gn 3. No texto bíblico, Deus estabelece uma norma, que
traria consequências para toda a humanidade. A decisão implicou numa natureza
pecaminosa, mas Deus não impediu o casal de praticar tal ato, ainda que os
advertisse.
O
“destino” de Caim era a maldição? Em Gn 4, 7 Deus visita Caim e diz para ele
dominar seu próprio pecado, ou seja, ele não precisaria fugir e ser mal-dito
por Deus. Foi uma questão de escolha.
Em
Dt 30, 19: É colocada diante do povo uma questão, Deus indica o caminho da
bênção, mas não força o povo a escolher, uma vez que isso atentaria contra um princípio
que o próprio Deus estabelece, a liberdade.
Em
relação ao termo destino, a Bíblia é muito categórica ao relatar que a busca
pelo destino e fortuna constitui-se na verdade em idolatria Is 65,11. Essas
duas divindades estão presentes ainda nos dias de hoje inclusive em igrejas.
Quantas pessoas buscam saber o que vai acontecer? Há um sem número de pessoas que
buscam saber seu “destino” consultando oráculos travestidos de profetas e
profetizas.
Jesus
foi categórico em dizer que a cada dia basta seu mal Mt 6:34. Isto aponta para
duas coisas: que a vida é construída cotidianamente através de nossas atitudes
e que o ser humano não tem um destino predeterminado, imutável.
Dessa
forma podemos entender que o ser humano é sujeito de sua própria história,
podendo escolher os caminhos e trilhas que “tecerão” sua vida, por isso não se
pode conceber a existência humana como algo previamente determinado e
preestabelecido por Deus. Isso não significa dizer que a humanidade não possua
um destino final, e sim que os caminhos são construídos a partir dessa
realidade.
A
teologia cristã aponta para um fim teleológico do juízo final, mas não
predetermina a vida de ninguém ou ainda seus caminhos no tempo presente. Cabe
ao ser humano trilhar o caminho que precisa percorrer e assumir as
responsabilidades decorrentes do mesmo.
O Livre Arbítrio é a regra para todos. A Predestinação é a exceção para poucos. Porém, é através do livre arbítrio do ser humano, que Deus na Sua Onisciência, revela os seus escolhidos. Não para a salvação, mas para um fim específico. "Porquanto aos que de ANTEMÃO CONHECEU, TAMBÉM OS PREDESTINOU para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos." (Romanos 8. 29).
ResponderExcluir