Profetismo e o Estado


Por volta do século IX a.C surge em Israel uma tradição contestatória do status quo da classe sacerdotal e dos donos do poder denominados haram eretz (povo da terra). Essa tradição buscou denunciar as injustiças e descompassos entre as prescrições da torah e as práticas iníquas de ostentação e privilégios de uma casta por meio da exploração dos mais pobres.
Rubem Alves assim descreve o contexto do surgimento do profetismo:

O Estado crescia cada vez mais, tornando-se centralizado e concentrado nas mãos de poucos. E, como sempre acontece, quando o poder de alguns aumenta, o poder de outros diminui. As pequenas comunidade rurais, que em outras épocas haviam sido o centro da vida do povo hebreu, se enfraqueciam em decorrência dos impostos pesados que sobre elas recaíam (Alves, 1984, p.103).
O profetismo centrou suas críticas sobre o Estado e a religião por um simples motivo. Não havia dissociação entre ambos naquele tempo. Tratava-se de um Estado confessional. Independente de sua laicidade ou confessionalidade o Estado era visto como promotor de justiça e paz.

Já naquele tempo se entendia que um governo que não promove a isonomia é injusto, isto é, tende sempre a punir a parcela mais pobre da população. Tudo isso com qual finalidade? Bancar os privilégios e regalias de uma casta. Como bem salienta Alves:
Os camponeses pobres, tinham de vender suas propriedades que eram então transformadas em latifúndios por um pequeno grupo de capitalistas urbanos. É de tal situação que surgem os profetas como porta-vozes dos desgraçados da terra. Assim , quando pregavam justiça, todos compreendiam que eles estavam exigindo o fim das práticas de opressão (Alves, 1984, p.104).
Alguns profetas como Amós denunciavam com veemência as injustiças dos religiosos.

“Abomino e desprezo vossas celebrações solenes [...] Corra, porém, a justiça como um ribeiro impetuoso (Amós, 5,24)”

Milton Schwantes analisando o livro de Amós destaca que a política do governo de Jeroboão II consistia no aumento excessivo de impostos, onerando, dessa maneira, a classe trabalhadora camponesa. É justamente essa classe que o profeta defende, sinalizando para a vontade de Javé com Deus de justiça e misericórdia. Sobre a exploração do povo Schwantes sublinha:
A realidade das pessoas era exatamente o inverso do esplendor das elites e dos que usufruíam as benesses dos centros urbanos de então. A gente do campo era convocada a gerar, com seu suor e sua fome, os produtos e as riquezas necessários para o expansionismo comercial e militar. A realidade do povo era, pois, marcada por dura exploração (Schwantes, 2004, p.22 ).

Enquanto a realeza e alguns “amigos do poder” dormiam em suas camas de marfim. O povo era explorado e trabalhava para manter os privilégios de poucos; de um Estado inchado e de uma religião que servia ao interesse dos poderosos.

De maneira geral, a tradição profética chega ao Novo Testamento na pessoa de Jesus de Nazaré. Sem dúvidas ele consegue canalizar grande parte dos ditos proféticos relacionados ao grande profeta maior que Moisés do Deuteronômio; Elias e consequentemente o carisma de Eliseu e se apresenta como um crítico não somente da religião atrelada ao interesse dos poderosos, assim como, o Estado injusto.

Deixo aqui algumas questões:

O que significa falar de pai nosso num sistema de apadrinhamento chamado pater famílias?

O que significa propor a divisão do pão num sistema que mantinha a política do pão e circo?

O que significa chamar Herodes de raposa velha (Lc 13.32)?

O que significa dizer que a raposa tem covis e aves ninhos? Lembrando que loba e águia eram símbolos do Império

O que significa “dar a César o que é de César”? Sendo que todo povo sabia que ele era um usurpador?

Podemos, através disso, concluir que a tradição profética do Norte de Israel é profundamente crítica e opta por um Estado que opta por promover o bem-estar social dos cidadãos. Pensemos nisso


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Alves, Rubem.  O que é religião. Brasiliense: São Paulo, 1984.


Schwantes, Milton. A terra não pode suportar as suas palavras. Paulinas: São Paulo, 2004.

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