Cartas pastorais paulinas







A pergunta mais comum quando estudamos um texto bíblico gira em torno de saber quem o escreve. Mais do que saber quem escreve, devemos indagar: como pensa o escritor? No caso das cartas paulinas, nossa questão centra-se em investigar como pensava Paulo. Para isso precisaremos recorrer a alguns dados biográficos do apóstolo e suas influências de pensamento.
Paulo era um judeu da tribo de Benjamim. Há indícios de que ele cresceu no ambiente da chamada dispersão (ou diáspora)[1] em que a língua grega era o idioma falado no dia-a-dia. Além disso, pertenceu, durante muito tempo, ao grupo dos fariseus (Fl 3:5). Pode-se afirmar que conhecia bem a filosofia grega e os escritos judaicos do 1º século, pois em suas cartas, frequentemente faz menção deles. Além disso, Paulo teve influência de um grupo judaico chamado apocalíptico, que cria em:

·                  Viagem celestial (2 Cor 12: 1-6);
·                  Conflito entre anjos e demônios (Ef 6: 1-11):
·                  Final do mundo a qualquer momento (I Tess 5: 1-15);
·                  Revelação dos mistérios divinos (Gl 1: 12)[2].

É interessante observar que nem todos os grupos judeus dos tempos de Paulo criam nesses elementos pontuados acima. Muitos deles, além de não crer, não aceitavam essas concepções (como os saduceus, por exemplo). Por isso é importante lembrar que a caminhada de Paulo e a construção de seu pensamento, expresso nas cartas, evidencia suas origens e ainda os conflitos de ideias com os grupos, mesmo dentro do cristianismo, que pensavam diferente[3].
No século I havia duas escolas de interpretação das escrituras, chamadas escolas talmúdicas: Hiliel e Shammai. De acordo com At. 22: 3 Paulo havia permanecido um tempo em Jerusalém estudando com o mestre Gamaliel, que era neto do rabino Shammai. Diante disso, pode-se pontuar que o apóstolo, antes mesmo de sua conversão, havia tido contato com diversas correntes de pensamento. Dentre elas se destacam: filosofia grega, apocalíptica judaica e escola rabínica de Hiliel. Em resumo, podemos responder a pergunta quem era Paulo? Da seguinte maneira: um judeu que conhecia várias tradições e que escrevia em grego.
A primeira e a segunda epístolas a Timóteo e a epístola a Tito foram pela primeira vez chamadas “pastorais” no século dezoito, em 1703, e popularizadas por esse título em 1726.  Embora estas epístolas não sejam cartas de teologia pastoral, o título serve convenientemente para distinguir as três, como um grupo, de outras cartas escritas por Paulo.  Estas epístolas não são manuais de organização eclesiástica, disciplina da igreja, administração eclesiástica ou métodos eclesiásticos. Paulo estava dando instruções para situações cotidianas reais de duas igrejas, que estavam sob os cuidados de dois ministros que ele conhecia intimamente. Por esta razão, as epístolas são limitadas quanto ao assunto discutido, mas elas contêm princípios que podem ser usados em igrejas de qualquer época e lugar. As três têm tanta coisa em comum, quanto a estilo, doutrina e alusões históricas, que devem ser tratadas como um grupo, da mesma maneira como as conhecidas “cartas da prisão” (Efésios, Filipenses, Colossenses e Filemon).
O cenário histórico colhido destas epístolas é o seguinte. Depois que Paulo e Timóteo estiveram juntos em Éfeso, Paulo partiu para a Macedônia (I Tm. 1:3), mas esperava voltar logo (I Tm. 3:14).Timóteo havia partido para Éfeso, para cuidar da igreja e refutar os falsos mestres que estavam em atividade lá. Uma vez que sua volta podia ser retardada, Paulo escreveu esta carta, para ajudar Timóteo em seu ministério (I Tm. 3:14 -15). De maneira semelhante, Paulo estivera em Creta e, ao partir, deixou Tito para cuidar da organização da igreja (Tt. 1:5). Paulo estava, provavelmente, na Macedônia ou em Acácia e queria que Tito se encontrasse com ele em Nicópolis, onde Paulo planejava passar o inverno (Tt. 3:12). De II Timóteo fica-se sabendo que Paulo era um prisioneiro (II Tm. 1:8, 16,17; 2:9). Ele já havia estado perante o tribunal uma vez (II Tm. 4:11,16, 21) e estava aguardando outro aparecimento. Ele tinha pouca esperança de ser solto (II Tm. 4:6). Somente Lucas ainda estava com ele (II Tm. 4:11), Tito tendo sido enviado à Dalmácia (II Tm. 4:10) e Tíquico a Éfeso (II Tm. 4:12); Demas havia abandonado Paulo e retornara a Tessalônica (II Tm. 4:10). Esta, então, é a informação colhida das três cartas. A ordem dos eventos de I Timóteo e Tito é difícil traçar; a de II Timóteo logicamente seguiria as outras duas.
Os movimentos de Paulo e de seus amigos, após a saída do encarceramento romano de Atos 28 são difíceis de precisar. O melhor é usar a informação disponível e tentar reconstruir o itinerário mais simples. As palavras de Clemente de Roma, em 95 d.C., devem ser tomadas seriamente acerca de Paulo ter trabalhado na Espanha.  Isto foi escrito cedo demais, após a morte de Paulo (dentro de trinta anos), para ter sido informação falsa e a igreja não contestá-la. Seja quanto tempo for que Paulo tenha trabalhado na Espanha, crê-se que não se trata de um trabalho permanente. A falta de detalhes da informação dada por Clemente é entendida pelo contexto da carta que ele escreveu; ele estava escrevendo acerca das mortes de Paulo e Pedro em Roma, não acerca de seus ministérios como a informação contida nas Pastorais é esboçada e as tentativas de se fazer um itinerário preciso são fadadas ao fracasso. O que se sabe das pastorais pode ser declarado: Paulo esteve em Creta, Éfeso, Trôade, Macedônia, Mileto, Corinto e Roma.  O tempo envolvido seria de 60-61 d.C. até uma data desconhecida, após o incêndio de Roma, em 19 de julho de 64 d.C. Se Paulo foi à Espanha e não retornou em seus passos, a simples viagem seguinte poderia ser traçada geograficamente para se conformar o material contido nas pastorais. De Roma até a Espanha seria a primeira etapa. De lá, Paulo teria ido a Creta, onde trabalhou por um período de tempo indeterminado. Deixando Tito (Tt. 1:5), Paulo foi para Éfeso. É possível que durante esse tempo ele tenha feito uma visita às igrejas no vale do Lico (Fm. 22). Deixando Timóteo em Éfeso (I Tm. 1:3), Paulo foi à Macedônia (provavelmente a Filipos). Enquanto esteve lá, escreveu I Timóteo e talvez Tito, embora seja mais provável que as tenha escrito de Corinto. Ele então teria ido a Trôade, deixando uma capa e alguns livros na casa de Carpo (II Tm. 4:13),  para  ir   a  Éfeso  e  Mileto,  onde Trófimo adoeceu e ficou para trás (II Tm. 4:20), e depois para Corinto. Pensa-se que Paulo pode ter escrito a Tito durante essa época, pois planejava ir a Nicópolis para o inverno (Tt. 3:12), mas não é certo se o fez. Quando ele deixou Corinto, Erasto ficou para trás (II Tm. 4:20). Em algum lugar Paulo foi preso, depois que a perseguição aos cristãos, conduzida por Nero, começou. Nero, para transferir a atenção de sua própria culpa no incêndio de Roma, culpou os cristãos. A perseguição, que imediatamente se iniciou, foi intensa, e Paulo foi arrastado nela.  A prisão pode ter acontecido em Éfeso, explicando, desta forma, a origem da tradição acerca das ruínas de uma torre lá chamada “Prisão de Paulo”. A prisão poderia ter ocorrido em Corinto. Ambas estas cidades eram bem zelosas em sua lealdade para com o culto ao imperador, cada uma tendo um templo e sacerdotes para promover a veneração ao imperador. Depois de sua prisão, Paulo teria apelado para Roma, com base no fato de ser um cidadão romano, e teria asseverado seu direito de ser ouvido em Roma. Chegando a Roma, Paulo tinha já tido sua primeira audiência perante o tribunal (II Tm. 4:11,16,21) e esperava ser condenado na segunda (II Tm. 4:6). Durante esse intervalo Paulo escreveu II Timóteo. O inverno mencionado em (Tt.3:12) possivelmente seria o inverno de II Timóteo 4:21. Se assim for, é improvável que Paulo tenha ido a Nicópolis, como planejara. Se não é o mesmo inverno, a razão para enviar Tito à Dalmácia (II Tm. 4:10) estaria esclarecida. Uma tradição antiga afirma que Paulo morreu no ano do incêndio de Roma. Isto poderia significar, e provavelmente significa que ocorreu dentro do espaço de um ano. A tradição também afirma que Paulo foi decapitado fora de Roma, na Via Estia, em 29 de junho. Isto mais provavelmente teria ocorrido no ano de 65 d.C.

Local: Macedônia

Data: 64-65 D.C

Saudação: (1: 1,2)

Geralmente as saudações identificam os escritos canônicos legitimando sua autoria e indicando os possíveis destinatários. Nesse caso não é diferente. Paulo reforça seu chamado apostólico apontando para a vontade de Deus e sua presciência em chamá-lo para a vocação de anunciar a palavra (At. 9:15; Ef.1:1,2 ;2:10). Basicamente a introdução ou saudação segue o padrão das demais epístolas paulinas, reforçando a vontade de Deus para a proclamação da palavra e o cumprimento de seus propósitos através dos apóstolos e demais cooperadores do Reino de Deus.
Paulo reforça mais uma vez o sentido da fé cristã, ou seja, seu (kérigma) – mensagem, proclamação – apontando para aquilo que considera como essencial na fé cristão: a ressurreição (I Cor. 15:14, Cl. 1:27). O apóstolo menciona essa importante premissa já na introdução, visando combater alguns ensinamentos que tinham por intuito desvirtuar a fé cristã apontando outros caminhos, filosofias e práticas que não condiziam coma os ensinamentos apostólicos. Havia no mundo do Novo Testamento, sobretudo, nas regiões influenciadas pela cultura grega, uma mistura de doutrinas e costumes que penetravam nas diversas religiões existentes no período. Algumas dessas religiões pregavam práticas semelhantes às cristãs, mas seus propósitos e intuitos eram totalmente diferentes, por isso Paulo fez questão de frisar que a esperança da fé cristã se faz na ressurreição de Cristo. Após essas indicações, direciona seu discurso a Timóteo, referindo se ao mesmo como filho na fé, indicando, dessa maneira, uma forma carinhosa de referir-se ao jovem pastor.
Em seu ministério Paulo lidou com diversas situações. Quase sempre as questões envolvidas diziam respeito à doutrina e ensinamentos que não condiziam com a fé cristã. De maneira geral, não se encontra subsídios para apontar que o apóstolo era um teólogo dogmático com uma doutrina pronta e estabelecida, ou como se costuma denominar: teologia do caminho. O mais plausível é que ele se expressa conforme as situações vão aparecendo, lidando de forma pastoral e não dogmática com os dilemas enfrentados em seu ministério. Preferimos, dessa forma, defender a posição de que Paulo era um teólogo “a caminho”, isto é, um pastor que construiu sua teologia, amadureceu-a ao longo de sua caminhada, orientando as igrejas e seus líderes dentro de um eixo denominado kérigma – mensagem principal. Não fazendo questão de definir métodos e formas de expressar a fé de maneira sistematizada.
Uma das tendências que frequentemente era combatida por Paulo, constituía-se do grupo dos judaizantes. Tal grupo apontava para a fé cristã como continuação do judaísmo e sua extensão. Para legitimar seu discurso fazia com que em algumas comunidades a prática da circuncisão e da observância da lei estivessem presentes. Esse grupo influenciou fortemente a igreja da Galácia e de Colosso, sendo seus ecos sentidos nas demais igrejas do circuito frequentado por Paulo e sua equipe.
Por parecer convincente e próxima aos ensinamentos cristãos, rapidamente essas doutrinas ganhavam adeptos, sobretudo, por partes dos judeus que eram egressos do judaísmo e aderiram a fé cristã. Porém, o problema maior eram os gentios que eram inseridos em um contexto que lhes desfavorecia, uma vez que, muitos adeptos do movimento judaizante legitimavam sua autoridade em seu passado, ou seja, em seus ancestrais, sinalizando para as promessas cumpridas em Israel como foco principal da fé.
Por discordar desse ponto de vista, Paulo fazia questão reforçar que as promessas de Deus na vida de seu povo só podiam ser cumpridas a partir da fé, baseada em um coração puro e sincero, com o entendimento da mensagem de redenção e regeneração para a humanidade.
O apóstolo enfoca três pilares básicos de seu pensamento, registrado em seus outros escritos, resumindo a mensagem do evangelho e sua aplicação prática na vida daquele que crê: o amor, a consciência e a fé. Para ele essa tríade é fundamental para poder se viver a fé genuína em conformidade com os valores do Reino de Deus, ensinados por Jesus Cristo.
Por amor entende-se o caminho proposto em 1 Cor. 12:31 como o mais excelente de todos pelo qual a caminhada cristã deve trilhar. O termo utilizado é (ágape – amor de Deus). Tal amor deve se manifestar como fruto de um coração puro e regenerado por Deus (Rm. 5:5). Como deixa explícito à igreja de Corinto, não se trata de um dom (carisma), mas um caminho que todas as pessoas que tiveram, de fato, um encontro com Jesus devem trilhar em sua caminhada de vida.
Assim como o amor, a consciência é fundamental (Rm. 13:5; 1 Cor. 8:2; 1 Cor. 10:27; 2 Cor. 1:12). Entende-se que primeiramente Deus ilumina a consciência do ser humano para que a luz do evangelho lhe resplandeça e desperte para a vida (I Cor. 4:4). Do contrário, o que predomina é a cegueira espiritual conduzindo-o cada vez mais ao caminho da perdição. Paulo não despreza a racionalidade e muito menos a consciência. Isso fica explicito em vários de seus escritos. Para ele o ser humano precisa ser iluminado em seu todo e não somente no coração.
Como de costume, Paulo cita sua experiência de conversão e chamado ao apostolado, mencionado a infinita sabedoria de Deus, assim como, sua soberana vontade em vocacioná-lo para o santo ministério da palavra. Dando continuidade a defesa da teologia da graça, faz contraponto com o seguimento do judaísmo. Para o apóstolo, sua conduta exagerada em cumprir as exigências rabínicas levou-o a perseguir os cristãos e matar alguns por falta de entendimento e conhecimento da verdade do evangelho.
Quando menciona a graça, fé e amor, mais uma vez aponta para alguns dos elementos considerados chaves em seu pensamento teológico. Não se encontra algo de forma sistematizada na teologia paulina, entretanto, pode-se apontar alguns eixos teológicos que norteiam seu pensamento, sendo que os principais são: graça, fé, esperança e amor. Há ainda o destaque para o ministério do senhor Jesus em salvar os pecadores. Esse tem sido um dos pontos mais debatidos na teologia moderna: a condição humana perante Deus. Paulo coloca a depravação do ser humano e a sua constante dependência do criador. O debate principal gira em torno da questão se essa depravação é total ou apenas parcial. Como o apóstolo não entra nesses detalhes deixa margem para ambas as posições.
Há indícios que Timóteo estava enfrentado algumas dificuldades na igreja em que estava pastoreando. Possivelmente ele havia se comunicado com seu mentor sobre seu desânimo e desgaste na obra missionária. Os anciãos e obreiros mais velhos pareciam não respeitar seu ministério, por isso, Paulo enfatiza as profecias e confirmação do ministério de seu discípulo como objeto da providencia divina.
A ênfase dada nessa parte da carta é à consciência e à vivência de uma fé genuína, isto é, não fingida. Ao ressaltar esse ponto, Paulo tem em mente a caminhada de Alexandre, o latoeiro, e Himeneu, cristãos que outrora eram cooperadores do evangelho, juntamente com o apóstolo, mas ensoberbecendo o coração e querendo ser mestres, acabaram por se desviar a abandonar a fé. Provavelmente, esses são os obreiros fraudulentos que Paulo menciona em Corinto (II Cor. 4:1-6, II Cor. 10:1-4), pessoas que adentravam à comunidade com o intuito de aproveitar-se da vida das pessoas em benefício próprio.
A mentalidade de Paulo está fortemente ligada ao judaísmo rabínico no qual se tinha a noção de que satanás agia como um instrumento de justiça nas mãos de Deus. Nesse sentido, a entrega mencionada no texto é para que, de fato, Deus possa fazer justiça por meio da ação dessa entidade na vida das pessoas que agem com malícia e astúcia (cf. I Cor. 5:5). Entende-se que a ideia por trás dessa filosofia é que a pessoa se arrependa e volte para os caminhos certos.
Nesses versículos iniciais, Paulo trata da oração pública e sua respectiva importância para a comunidade em que a igreja está inserida. A lógica paulina é que há nas estâncias de poder estruturas espirituais que dominam a vida das pessoas e determinam comportamentos que ofuscam a verdade. A isso Paulo chama de principados e potestades (Ef. 6: 12). Por isso ressalta a importância de orar pelas autoridades que regem as leis e governam sobre o povo, afim de que conheçam a Deus e tenham a oportunidade de caminhar no caminho da verdade.
Em meio a um mundo influenciado pela cultura greco-romana, que por possuir vários deuses, se perdia em meio a seu panteão que nomeou planetas (Vênus, Marte, Netuno) e continentes (Europa, Ásia, América). Havia confusão na mentalidade de muitos sobre a suficiência de Cristo em ser mediador e salvador da humanidade. Já naquele tempo havia divindades que se apresentavam como auxiliadoras e mediadoras na relação do ser humano com Deus.
Paulo por isso enfatiza a suficiência de Cristo como base da fé. Elemento que posteriormente foi um dos pilares da Reforma Protestante do século XVI, em que se enfatizou a suficiência de Cristo, solo Cristo. Essa plenitude da revelação foi concedida por Jesus a Paulo, para que ele fosse pregador e mestre dos gentios, ensinando a palavra e anunciando a graça universal de Deus a humanidade.
Não há na teologia paulina nenhuma orientação de forma dogmática ou ortodoxa no que tange ao culto. As orientações do apóstolo vão no sentido de responder às questões à medida que elas surgem nas comunidades. Em várias cartas pode se observar essa conduta. Nesse contexto, a orientação é para que as orações sejam feitas pelas autoridades para que elas cheguem ao conhecimento de Cristo e para que os cristãos tenham uma vida sem conflitos com o Estado e as autoridades constituídas.
Em seguida, há uma menção polêmica no que diz respeito ao papel da mulher na igreja. As orientações são no sentido pastoral, pois naquelas localidades havia alguns costumes de prostituição cultual, em que as mulheres faziam danças sagradas em reverencia às divindades. Essas danças e práticas sexuais eram acompanhadas de roupas características, por isso, inicialmente, há a orientação no sentido de vestimenta.
No que diz respeito ao proceder na comunidade, Paulo não censura o ministério feminino de forma doutrinária, mas o faz por conta da cultura local. Ele enfrentou problemas semelhantes na comunidade de Coríntio em relação a algumas mulheres e seus comportamentos. Por isso estabeleceu essa normativa. Do contrário seria contraditório, uma vez que, menciona Júnia como uma cooperadora em Rm. 16: 15, assim como, Evódia e Síntique Fl. 4:2. Embora essa tenha sido uma questão constante no ministério de Paulo, não há base para afirmar que ele seja contrário ao ministério feminino.
Algumas funções são apontadas e destacadas pelo apóstolo como ministérios que ajudam no andamento e organização das igrejas. Em outras cartas ele nomeia pessoas como presbíteros e cooperadores. Aqui duas funções são nomeadas e destacadas: o bispo e o diácono.
Quem é o bispo? A palavra bispo é utilizada cinco vezes no Novo Testamento (At. 20:28; Fl. 1:1; 1 Tm. 3:2; Tt. 1:7 e 1 Pe. 2:25) e designa uma função de supervisão sobre um determinado circuito de igrejas. Provavelmente a comunidade já tinha anciãos, que desempenhavam um papel de liderança, conhecida de antemão por Timóteo. Paulo elenca alguns pré-requisitos para que o cargo possa ser exercido na igreja. As recomendações, via de regra, são no âmbito moral. Uma vez que, essa pessoa tende a exercer um cargo de liderança e representação da igreja na sociedade em que se insere, por isso essas recomendações precisas e pontuais em relação ao episcopado.
Em relação ao diaconato, as recomendações são semelhantes, pois o apóstolo estabelece alguns padrões para que a pessoa possa exercer a função na igreja. De acordo com as referências bíblicas o diácono teria um papel na igreja local, sendo que sua função não estaria restrita apenas ao serviço como algumas igrejas determinam. Em Atos 6, nenhum dos sete diáconos escolhidos restringiu-se apenas ao serviço. O exemplo maior é Filipe que foi um dos primeiros pregadores itinerantes (At. 8:4-8; 26-40).
Paulo foi mentor espiritual de Timóteo. Como tal, privilegiava o contato pessoal com seu aprendiz para que o ensinamento fosse completo e para que Timóteo visse a prática de Paulo em relação e aprendesse como devia proceder. O ensinamento que Paulo faz e a menção final da passagem desse capítulo está em forma de doxologia, cântico de glorificação do Senhor Jesus. Esses cânticos são tradicionais nas cartas de Paulo (Rm. 11:33-36; Fl. 2:5-11).
Boa parte do ministério de Paulo foi para combater os ensinos fraudulentos dos obreiros que se infiltravam nas comunidades a fim de ensinar doutrinas às pessoas para fazê-las reféns (2 Cor. 11:13, Col. 2:8). A maioria desses ensinamentos dizia respeito à conduta judaica nas comunidades, fazendo restrição de alimentos e impondo práticas da lei de Moisés (Rm. 14:1-12, Gl. 1:6-8; Cl. 2:16-19).  O judaísmo que se ensinava nessas comunidades era do tipo gnosticizado e não o judaísmo clássico, como em Gálatas.
Um dos principais embates do apóstolo diz respeito às comidas e outras práticas que eram ensinadas como forma de santidade. A palavra santidade ficou conhecida no mundo teológico como ascetismo ou asceticismo, isto é, prática de abstinência, visando a santidade por parte dos cristãos. Por isso era pregado o jejum, a oração e outras práticas de abstinências alimentares, sobretudo, por parte do grupo denominado judaizante, que fazia de tais práticas, discurso para manter as pessoas reféns de seus ensinos (Fl. 3:19). O que Paulo questiona é a validade dessas práticas e seus intuitos, uma vez que, não preparava pessoas para viver uma vida madura, mas sim ser sempre dependente dos obreiros que ensinam tais doutrinas.
Paulo se utiliza de um recurso linguístico chamado parênese, que na cultura greco-romana significa conselho. Para isso expõe, primeiramente, quais seriam as doutrinas falsas que estavam sendo ensinadas e a seguir, aconselha sobre o verdadeiro exercício cristão.  Nesse ponto, o apóstolo entra em um tema que permeava o circuito das igrejas plantadas por ele e sua equipe, denominado de docetismo, que negava a humanidade de Cristo, e em alguns casos, pregava a abstinência de práticas e alimentos para se chegar a uma categoria de santidade perfeita.
O intuito do ensino é desmontar essa falsa doutrina e apontar para a verdadeira prática espiritual que é agradável a Deus. Ao tomar conhecimento dos ensinos vigentes na comunidade, Paulo rapidamente instrui o jovem Timóteo a proceder, de forma a preservar a consciência das pessoas que haviam ouvido o evangelho da graça e que acabavam por aderir outros ensinos pensando seguir a verdade.
Nessa nova seção, Paulo instrui o jovem pastor Timóteo a lidar com as várias classes de pessoas componentes da igreja. O modelo paulino é baseado nas instruções de Deuteronômio, que ensina como lidar com as várias situações na comunidade de fé israelita. Dessa maneira, há um esquema que pode ser definido da seguinte maneira: liberdade e solidariedade: dízimo e seu papel-chave (Dt 14: 22-29; 26:12-25); Deuteronômio como direito de proprietários de terras livres (Dt. 6:20ss); Um centro sem poder central (Dt.12). Solidariedade e benção (Dt. 14:29; 15:12-18; 16:15; 23:21); Perdão das dívidas no ano sabático (Dt. 15:1-3); Segurança social (Dt. 23:16; 24:6). 
O modelo paulino é sinagogal, reproduzindo, de certa maneira, e estrutura da lei mosaica no que tange a organização da comunidade de fé. Como Timóteo era um jovem pastor, e por isso muitas pessoas não estavam dando crédito ao seu ministério, Paulo o ensina a proceder na condução dos trabalhos. Para fazê-lo, lança mão de um modelo conhecido entre os judeus da escola de Shammai. Esse modelo se sustentava entre o Levítico e o Deuteronômio, livros que Paulo se utiliza para tratar da relação do ser humano com Deus e com a comunidade de fé. Sua concepção de pecado e santidade, também é fortemente influenciada por esses livros, no que teologicamente se conhece como antropologia teológica. Sendo assim, a recomendação paulina é para que, basicamente de reproduza a estrutura sinagogal no tratamento com as pessoas.
O prisma de Paulo no tratamento com as viúvas é o deuteronômico. Por isso faz diversas recomendações sobre o auxílio social prestado a elas. Como na sociedade antiga o trabalho feminino era negado, as viúvas serviam a comunidade através de suas ações solidárias e ajudavam na educação das crianças, por exemplo. Por conta dessas atividades, elas deviam ser tratadas de forma respeitosa e com dignidade, não sendo negado seu direito ao auxílio. Em contrapartida, não se podia aceitar a inscrição das viúvas na lista de auxílios, simplesmente por serem viúvas. Nesse sentido, o apóstolo estabelece alguns requisitos básicos para a inscrição. Na verdade, Paulo trabalha dentro do príncipio deuteronômico de solidariedade e bênção, apontando as leis humanitárias de Moisés como caminho para a justiça de Deus em relação aos desfavorecidos sociais.
Na concepção paulina, o presbítero é um pastor local. Ele seria uma espécie de ancião no rabinismo judaico. Sua função seria ensinar e expor a palavra para que as pessoas chegassem ao conhecimento da vontade de Deus. Paulo orienta que essa função seja remunerada pela comunidade. Embora ele mesmo tenha se negado a receber preferindo trabalhar para não ser pesado a ninguém (II Cor. 11:8-9). Há ainda duas recomendações em relação ao procedimento com o presbítero. A primeira diz respeito à denuncia e a segunda à consagração ou ordenação. Paulo tem em mente as decepções que teve com algumas pessoas como Himeneu e Alexandre, que certamente ocuparam papéis de destaca na obra missionária e acabaram por desviar-se. Por isso recomenda cautela tanto na denuncia, quanto na ordenação.
No último capítulo ou última seção, Paulo trabalha algumas instruções de forma geral no proceder do dia-a-dia da comunidade.
Por estar inserido numa sociedade escravocrata, Paulo menciona a forma com que os escravos e senhores cristão deviam se portar. Para isso tenta uma espécie de “humanização” das relações para que a conduta de ambos pudesse refletir os valores do evangelho.
Por fim Paulo resume os propósitos dos falsos mestres: dominação e riquezas. A finalidade dos falsos mestres, em primeiro lugar é tornar as pessoas presas dos ensinamentos desses líderes, fazendo com que as mesmas estejam em um estado de submissão total, causando, dessa maneira, a dependência e obediência absoluta e a obtenção de riquezas por meio da vida dos liderados. Muitos utilizaram-se das prerrogativas paulinas de receber das comunidades para se envaidecer e entregar-se à paixão pelo dinheiro.
A recomendação de Paulo à Timóteo é que viva uma vida simples. As coisas citadas anteriormente servem apenas para desviar o foco das atenções e de nada servem. A instrução paulina é para manter o foco central da fé e não se deixar levar pelas coisas secundárias. Como muitos obreiros estavam fazendo.
De forma alguma Paulo condena a riqueza, mas faz um alerta para que as pessoas ricas da comunidade depositem sua esperança em Deus e não nas riquezas terrenas, e que a abundância material sirva para realizar boas obras e assim sinalizar a justiça de Deus na vida das pessoas menos favorecidas. 
Finalizando, Paulo recomenda a Timóteo fugir daquilo que não edifica para que a fé seja, de fato, mantida intacta e que o Reino de Deus seja manifesto na vida das pessoas.
 Na primeira Carta a Timóteo, Paulo expressou um temor de que pudesse ser retardado ao retornar a Éfeso. Agora ele é um prisioneiro em Roma. Ele já havia estado perante o tribunal uma vez, e a maioria de seus amigos o havia deixado (1:15-17; 4; 10,11,16). Paulo previa o pior (4:6,18). Nessa hora negra, ele anseia por ver Timóteo (4:9) e tê-lo consigo (4:11). Paulo escreve para fazê-lo saber qual é a situação e para pedir-lhe que vá a Roma.  Temeroso de que Timóteo não chegue a Tempo, Paulo se concentra na tarefa que está deixando para Timóteo executar. Ele também aproveita a ocasião para advertir contra falsos ensinos. Pode ser que Tíquico leve a carta a Éfeso (4:12).
Essa carta mostra a ansiedade de Paulo, mas também mostra coragem numa circunstância difícil. É um documento muito comovente, pois Paulo é visto enfrentando a morte, relembrando seu ministério passado, e com terna preocupação com seu filho na fé para que seja forte na obra para a qual Deus o chamou. É mais difícil dividir II Timóteo que I Timóteo. Esta é uma carta verdadeira, e Paulo não dá um tratamento sistemático a seus pensamentos. A escrita é num estado de espírito natural de amigo para amigo, e Paulo se movimenta para frente e para trás, entre as idéias. Após a saudação (1:1,2) e ação de graças (1:3-5), há um desafio à vida corajosa, como um  ministro chamado  por Deus (1:6,7), que tem Jesus (1:8-10) e o próprio Paulo como  exemplos de fidelidade (1:1 1-14). Paulo então dá notícia acerca de alguns companheiros (1:15-18). Segue-se a exortação à paciência no sofrimento (2:1-13) e pela conduta pessoal (2:14-26). Paulo exorta Timóteo a preparar-se para a crise vindoura (3:1-17) e à firmeza na pregação e cumprimento de seu ministério (4:1-5). Paulo calmamente escreve acerca de suas expectativas (4:6-8) e depois dá a Timóteo algumas instruções pessoais (4:9-18). A carta conclui com saudações e uma bênção (4:19-22).

Data: 64-66 D.C

LUGAR: Roma

SAUDAÇÃO (1:1,2)

Inicialmente Paulo trata com Timóteo com o intuito de encorajá-lo a seguir na missão de testemunhar o evangelho e não se envergonhar pelo fato de Paulo estar preso e muito menos pelos sofrimentos que advém na vida das pessoas que se dedicam ao ministério da palavra. Sendo assim, o desafio é para permanecer fiel (I Cor. 4:2) e entender que o sofrimento é parte do caminho que o ministro de Cristo deve passar. Mais uma vez o apóstolo relembra suas experiências mal sucedidas com outros companheiros para dizer a Timóteo que o vê de forma diferente dos demais.
Timóteo é um judeu e de acordo com a teologia paulina, herdeiro das promessas de Deus (At. 16:1-4). Por isso o apóstolo menciona a experiência e herança espiritual genealógica que se fazia presente na vida do jovem pastor. A fé das pessoas que antecederam a vida de Timóteo lhe foi ensinada a fim de que ele aprendesse o caminho da salvação e o trilhasse com fidelidade, permanecendo nas ordenanças de Deus e vivendo a fé no criador.
Paulo faz uma conexão de seu passado e de sua fé judaica com a vida do jovem pastor (Fp. 3:4-11). Para o apóstolo, assim como, para os demais judeus que haviam crido na mensagem do evangelho a revelação de Jesus como messias era a continuação da fé judaica e o cumprimento das profecias messiânicas, sobretudo, isaiânicas sobre a extensão da graça aos povos gentios – isso pode ser melhor analisado na unidade chamada cânticos do servo de Deus contidos entre os capítulo 40 e 55 do livro do profeta.
Mais uma vez Paulo evoca a teologia do Antigo Testamento para auxiliar na condução da igreja de Cristo. Dessa vez, parte do princípio de imposição de mãos presente em várias partes do Pentateuco (Gn. 48:14; Nm. 27:23; Lv. 1:4). Esse princípio sinaliza para a bênção e ministração sobre a vida das pessoas através das mãos. O intuito do apóstolo é encorajar o jovem pastor para que ele coloque em prática os dons espirituais que Deus lhe deu e não despreze a vocação para que foi chamado. Tudo indica que Timóteo enfrentava grandes problemas na condução do trabalho na igreja, por isso é instruído de forma prática por aquele que o acompanhou desde os primeiros passos na fé cristã.
Grande parte dos escritos de Paulo são baseados em suas experiências na caminhada da fé. Nessa passagem cita o sofrimento de Cristo e a vocação que o ministro da palavra traz consigo: o martírio (At. 9:15). Tanto o exemplo de Cristo, que sofreu duramente antes de sua ressurreição, quanto o de Paulo que sofreu várias aflições (II Cor. 11: 16-30) são palavras de consolo para Timóteo enfrentar seu sofrimento no ministério.
Finalizando a passagem, Paulo menciona a soberana vontade de Deus e a graça que vocaciona as pessoas ao ministério da palavra e ao pastorado, como no caso do próprio Paulo e de Timóteo.
Por mais que Timóteo estivesse sofrendo, nada era parecido com o sofrimento de Paulo. O apóstolo enfrentou as mais diversas dificuldades em seu ministério, incluindo, períodos de cárcere. Dá-se a entender, pelo tom da carta, que algumas ligadas à comunidade questionavam o fato de Paulo estar preso e Timóteo ser seu discípulo direto, assim como, os sofrimentos que os cristãos estavam passando no período.
Em meio a uma gama de filosofias que pregavam o prazer e uma vida baseada nos instintos, como eram as festas greco-romanas, o questionamento em relação a vida cristã se fazia pelo fato de muito considerarem sem sentido que a abstinência de tantas coisas não poupava os seguidores de Cristo dos sofrimentos cotidianos.
Por isso Paulo menciona o ministério de Cristo e sua proposta de salvação, trazendo luz ao conhecimento da palavra e iluminação da consciência das pessoas que são alcançadas pela mensagem do evangelho.

Paulo incentiva Timóteo a guardar o bom deposito, isto é, a fé até o dia de Jesus Cristo, que pode ser entendido como o dia final ou o dia do arrebatamento da igreja, dependendo da linha de interpretação escatológica que se adota. O mais importante nessa passagem é destacar a fidelidade em permanecer na fé (II Tim. 4:7).  Esse versículo faz conexão com os anteriores em que Paulo incita Timóteo sempre à fidelidade.

Em meio a muitas traições (Alexandre, o latoeiro, Himeneu, Fígelo, Hermógenes, dentre outros). Paulo destaca a fidelidade de Onesíforo, apontando para os sofrimentos do ministério, não somente em termo pessoais e de perseguição por acreditar em uma filosofia de vida, mas também para as desilusões referentes às amizades falsas que a caminhada proporciona. O apóstolo passou por um período de abandono quase que completo e no meio de toda essa luta conseguiu encontra uma pessoa fiel que não o abandonou, Onesíforo.
Mais uma vez a palavra de Paulo é de incentivo em relação à Timóteo para que ele continue a caminhada com fidelidade porque Deus, certamente, propiciará pessoas para que o socorram nos momentos de dificuldades.
Havia no mundo antigo várias formas de conceber a vida, assim como, diversas maneiras de enfrentar as adversidades. Uma delas é denominada de martiría, ou seja, o sofrimento por um ideal que levaria à pessoa a um momento de purificação, de acordo com algumas linhas de pensamento greco-romano.
No seio do cristianismo, a martiría se caracteriza pela perseguição e sofrimento que os cristão enfrentam pelo fato de serem fiéis à mensagem e não concordarem com as filosofias seculares e a maneira com que o mundo é regido. Nessa perspectiva é que Paulo encoraja Timóteo.
Paulo destaca que a graça de Jesus é poderosa para fortificar toda a pessoa que sofre perseguições por causa do evangelho. A graça de Deus basta ( II Cor. 12:9) para fazer todo e qualquer discípulo suportar as aflições da caminhada. Na concepção paulina a pessoa que é perseguida por causa do evangelho deve depender somente da graça de Jesus para ser consolada.
De acordo com a teologia rabínica que Paulo foi formado, a incumbência de um mestre é treinar outros mestres. Sendo assim, o incentivo é para que Timóteo forme pessoas que possam dar seguimento ao legado do conhecimento de Cristo. Isso faz parte de um costume que havia em Israel.
Em Israel havia um costume em que os meninos, a partir dos 6 anos de idade, começavam a estudar a Lei de Moisés. Quando completavam 10 anos de idade se findava essa fase que era chamada de Beit Sefer. Os que conseguiam terminar, já tinham decorado os cinco primeiros livros da Bíblia de cabeça. Depois disso, alguns voltavam para suas casas para aprender profissões e os mais destacados continuavam no estágio posterior chamado Beit Talmud. Nesse segundo estágio, frequentavam a escola sob a orientação de um rabino, que “os adotava” e acompanhava os ensinamentos de acordo com as escolas de interpretação judaica da Lei. Quem conseguia entrar para esse estágio fazia parte da elite de Israel, pois aos 12 anos tinha decorado todo o Antigo Testamento e aos 14 já debatia a interpretação da Lei. Quando completavam a maior idade, 30 anos, já podiam ter seus seguidores e chamar as pessoas para ensinar a interpretação das escrituras através da expressão: segue-me. Quem era convidado para seguir algum mestre podia se considerar um privilegiado, pois estava indo cumprir uma missão divina para a expansão do conhecimento de Deus na Terra. Nesse contexto podemos entender o chamado de Jesus aos seus seguidores, propondo uma nova interpretação das escrituras. A exemplo de Jesus os ministros da palavra são chamados e ensinar pessoas.
Ao longo de sua caminhada, Paulo foi definindo alguns pontos que ajudaram a compreender melhor os mistérios de Deus. Um deles diz respeito ao sofrimento. O apóstolo entende que devemos participar não somente da vida com Cristo, mas igualmente dos ônus que ela nos traz. Sendo que o sofrimento é seu maior expoente.
O chamado de Paulo a Timóteo é para que haja a compreensão de que os obreiros e ministros sejam participantes dos sofrimentos de Cristo. E ele como servo fiel ao senhor também sofria e apela seu discípulo que também o faça. O chamado cristão é entendido por Paulo como uma entrega à morte todos os dias (Rm. 8:36).
O exemplo de Paulo é do contexto greco-romano no qual os soldados são chamados a servir à sua causa dedicando-se, exclusivamente, a ela. Em Esparta e na Grécia os soldados eram treinados desde muito jovens para enfrentar as lutas e guerras. Em Roma não era diferente. Como Paulo e Timóteo conheciam bem a formação rígida dos soldados e seu contexto formativo, faz-se alusão a essa função com semelhante ao que se dedica à palavra.
Para Paulo um dos maiores problemas que levaram as pessoas a desviar da fé foi o envolvimento demasiado com dinheiro, poder, prazeres e filosofias do mundo secular. A dedicação do obreiro deve ser com o intuito de servir a Deus de forma a cumprir fiel e cabalmente sua vontade em ensinar e pregar a palavra às pessoas.
Mais uma figura do contexto greco-romano é utilizada para instruir Timóteo. Dessa vez a figura em questão é o atleta. Na Grécia Antiga havia os jogos que envolviam pessoas das mais diversas localidades. Muitas pessoas eram atletas profissionais e dedicavam sua vida inteira na competição e treinamento para os jogos. Tudo isso pressupõem uma disciplina e dedicação, assim como, sua observância das normas que regem os princípios do Reino. Mais uma vez a exortação ou parênese é no sentido de fidelidade.
No final dessa pequena unidade, Paulo menciona outra figura do mundo greco-romano, o camponês. Essa figura é conhecida também pela sua fidelidade e dedicação à sua profissão. Como Timóteo passava por um momento delicado em seu ministério, novamente é chamado a permanecer fiel a seu chamado.
Uma das definições de fé diz respeito ao testemunho, ou seja, experiência direta com o agente da fé, no caso da fé cristã esse agente é Jesus. Paulo instrui Timóteo a relembrar, guardar em mente a relação pessoal e única com Jesus Cristo. Em todo o momento de seu ministério Paulo enfatiza essa relação e faz dela referência em sua vida. Memória, consciência e fé para Paulo estão relacionadas no mesmo campo de ação. Por isso elas devem ser vividas de forma contínua e dinâmica na vida das pessoas que ministram a palavra de Deus e trabalham em prol da expansão do evangelho do senhor Jesus Cristo.
A vitória de Jesus é sobre a morte e a maior prova disso é a ressurreição. Na teologia paulina ressurreição é a vitória da vida frente a todas as situações de morte. Encontramos então dois eixos da ação da ressurreição. Um no sentido escatológico, isto é, a ressurreição no dia final, dia do senhor, ou dia do juízo e outra no cotidiano. A vitória de Jesus sobre a morte é a manifestação da vida. As curas, libertações, abertura de mente e entendimento do evangelho, podem e devem também ser considerados como ações da ressurreição, constituindo assim, o segundo eixo. Como Timóteo estava passando por momentos críticos, a ressurreição de Cristo, ou seja, a vitória da vida se manifestaria em tempo oportuno.
Como de praxe Paulo se utiliza de sua experiência pessoal e de sofrimento para apontar o ministério de Jesus Cristo e sua missão em salvar a humanidade. Sugere-se que Paulo estava na prisão e prestes a ser morto quando escreveu esse última epístola. Contudo ela não é enquadrada pelos especialistas em Paulo como as epístolas da prisão por questões metodológicas. Entretanto, o que se pode salientar com certeza é que o intuito de Paulo escrever essa carta é fazer alusão de seus sofrimentos com os sofrimentos de Cristo estimular Timóteo a não desfalecer por motivo algum.
Paulo termina essa pequena unidade com uma doxologia, cântico de glorificação de Cristo, exaltado a soberania e poder de Jesus sobre todas as coisas. Enfatiza ainda que a fidelidade de Cristo é superior a nossa, sendo que, ele não deixa de ser fiel, ainda que o sejamos. O intuito do apóstolo é mais uma vez animar o jovem pastor Timóteo para que ele não se intimide em sua caminhada e ponha em prática o que lhe foi ensinado por seu mestre.

EXORTAÇÃO A LEALDADE À PALAVRA DE DEUS (2:14-4:8)
Para instruir o jovem pastor Timóteo, Paulo se utiliza de exemplos que acabaram por ser maus sucedidos e foram considerados pelo apóstolo como métodos errados de conduta e ensino da comunidade. Provavelmente Himeneu e Fileto acabaram por dedicar mais tempo às discussões intermináveis e filosofias presentes no mundo greco-romano, do que à mensagem do evangelho e uma vida piedosa. Isso os levou a desviar da fé cristã. Dessa forma, Paulo instrui Timóteo a permanecer firme à palavra da verdade, sabendo manejá-la com autoridade diante de Deus e dos homens.
Os métodos considerados errados por Paulo aqui são os que se baseiam nas filosofias seculares e que não tem conexão espiritual com a palavra de Deus. São comportamentos que causam mais confusão e discussões vãs do que edificação na verdade.
O fundamento de Deus apontando por Paulo são os ensinamentos do evangelho do senhor Jesus. Que dentre os pontos principais, se destacam a temática da ressurreição. Para o apóstolo esse é o fundamento da fé cristã, sendo que, se não há ressurreição a fé cristão não tem motivo de existir (I Cor. 15:14). O fundamento explicado aqui diz respeito da fé na ressurreição que em algumas comunidades foi negada, como é o caso da comunidade de Coríntios, e em outros, secularizada perdendo seu sentido escatológico, como parecer ser o caso de comunidade em que Timóteo servia.
O apóstolo faz uma alusão à uma casa com diversos utensílios de uso geral. Para isso se baseia nas casas tradicionais romanas que possuíam objetos para serem utilizados em ocasiões de festas e rituais, como os jarros de vinho e bebidas e as travessas de comida e outros que eram utilizados para os serviços considerados de segunda categoria, como por exemplo, os recipientes próprios das necessidades fisiológicas.
Por isso atenta que há uma gama de vasos que podem ser utilizados de diversas formas. O que resta saber é como o obreiro – na alusão dessa alegoria – se porta na casa de Deus. De certo, refere-se a Himeneu e Fileto como vasos de desonra. Nesse sentido, adverte Timóteo para que não caia nessa dinâmica de discussões e debates vãos que não edificam a fé.
O ambiente greco-romano era carregado de discussões e disputas, que eram sempre feitas em locais públicos, colocando à prova a eficiência do orador. Muitos obreiros cristãos acabavam se seduzindo com esses debates criando contendas e divisões, inclusive, no seio da comunidade cristã. Paulo instrui Timóteo a fugir do que considera paixões e questões loucas para que sua integridade com homem de Deus fosse preservada.
Com o passar dos anos Paulo foi amadurecendo sua teologia. Se em I Tessalonicenses ele pregava a vinda iminente de Cristo, na chamada parousia (I Tess. 4:13-5:11) Na segunda epístola introduz um elemento novo, o chamado varão na iniquidade, retratado posteriormente como anticristo (II Tess. 2:1-12). Esse elemento vai acompanhar o pensamento do apóstolo em seus escritos posteriores e marcar a última fase de seu pensamento teológico, como podemos observar nessas que são consideradas suas últimas epístolas.
Paulo instrui o jovem Timóteo sobre os últimos dias e da manifestação de pessoas que virão com aparência de servos de Deus, mas que, na verdade, enganarão a muitos com seu jeito de proceder. Entende-se que haverá a sedução dessa liderança em relação ao povo de Deus, e que muitos por não estarem de acordo com as Escrituras sucumbirão por darem ouvidos às palavras persuasivas e enganadoras desses que se manifestam como agentes da iniquidade.
Paulo aponta que um dos problemas presentes na comunidade eram as lideranças que se aproveitavam da fragilidade das pessoas, sobretudo, das mulheres para se aproveitar de sua condição agindo, inclusive, de forma maliciosa e pecaminosa em relação às mesmas. Como é corrente na teologia paulina, o apóstolo aponta para o pecado como agente inibidor da manifestação da verdade (cf. II Cor. 4:4). Dessa maneira, o prejuízo não seria somente em relação à pessoa, mas também à comunidade.
Outro elemento que chama a atenção é a menção dos nomes Janes e Jambres. Esses nomes não aparecem no texto sagrado da Bíblia, mas em alguns manuscritos antigos (não canônicos) essa dupla faria parte do grupo de magos que faraó mandou chamar para resistir a Arão e Moisés (Ex. 7:11-13). Sua menção aqui diz respeito a pessoas obstinadas em seu erro não querendo conhecer a verdade.
O conselho de Paulo vai sempre no sentido da parênese, ou seja, um conselho exortativo em relação a fidelidade à palavra de Deus. Por isso, mais uma vez, reitera o caráter da fidelidade que, primeiramente, é exigida dele, e que ele como ministro do evangelho, também exige de seus obreiros.
Na concepção paulina, a maneira de se combater todos os enganos e vencer as tentações do tempo presente, assim como, as tentações finais é a fidelidade à palavra de Deus e a perseverança em sua pregação e vivencia. O evangelho é simples e não muda, conforme propõe geralmente alguns movimentos.
Paulo vive no contexto do martírio. Ele mesmo ajudou a martirizar Estevão e posteriormente se tornou mártir da fé cristã, sendo perseguido por amor a Jesus. Sua palavra à Timóteo vai no sentido de alertá-lo sobre a mensagem cristã, como uma contraproposta aos valores do mundo secular, por isso seu caráter sofredor.
A palavra de Paulo é para que seu discípulo não se iludisse pensando que iria viver tempos tranquilos e de paz. Ele instrui a ficar preparado e vigilante, pois algumas perseguições seguiriam sua vida e a exemplo dele (Paulo) e de Cristo. A vida no caminho do evangelho reserva vários sofrimentos.
O apóstolo também aponta para um fator importante na consumação dos tempos: o aumento da incredulidade. Devido ao desvirtuamento da mensagem e o aumento das peixões desse mundo, a incredulidade aumentará e arrastará muitas pessoas que por quererem satisfazer seu ego irão inicialmente atrás das falsas doutrinas e posteriormente tornar-se-ão incrédulas por conta de não suportar mais a verdade.
Como Timóteo conhecia a Lei, pelo fato de ter ascendência judaica. Desde a terna idade sabia as instruções de Deus acerca da vida piedosa. Paulo, por isso, o instrui a continuar guardando aquilo que dantes já havia aprendido e permanecer firma no ensinamento do evangelho. O apóstolo ainda salienta que o cumprimento das escrituras se dá na pessoa de Jesus Cristo e na fé na ressurreição. Sendo assim toda a escritura tem com objetivo apontar para Cristo e sua obra redentora em relação à humanidade.
O apóstolo incumbe seu discípulo a pregar a palavra da verdade e não se intimidar em relação aos falsos ensinamentos dos mestres que rondavam as comunidades de fé. Somente com a fidelidade à palavra de Deus e a permanência na verdade os falsos ensinos serão combatidos. Como todo ministro do evangelho, Paulo estimula Timóteo a exercer seu ministério de evangelista, isto é, aquele que proclama a mensagem do evangelho. Todo o ministro do evangelho, em última instância é chamado a ser um evangelista.
Paulo instrui finalmente Timóteo sobre algumas questões particulares e fala de seu primeiro julgamento em Roma. Concluindo com algumas saudações e a benção final a segundo epístola à Timóteo.
O propósito imediato da carta é pedir a Tito para encontrar-se com Paulo em Nicópolis (3:12). Um propósito secundário é encorajar Tito a cumprir a tarefa que Paulo deixou para ele realizar na ilha de Creta (1:5,6).  A carta provavelmente foi levada por Zenas e Apolo (3:13), para quem Tito é instruído a fazer provisão e ajudá-los a se estabelecerem  em seu ministério. Com estes propósitos básicos, Paulo usa a ocasião para escrever acerca de questões concernentes à igreja: a escolha de líderes, a identificação de falsos ensinos e como proceder com eles, e a necessidade de doutrinamento da igreja com sãos ensinamentos. Esta carta também se divide facilmente em três partes. A primeira tem a ver com a designação dos líderes da igreja (1:5-16); a segunda com como aconselhar e trabalhar com diversos grupos sociais (2:1-15); e a terceira é composta de exortações gerais (3:1-11). Após a saudação (1:1-4), Paulo expressa a razão por que ele deixara Tito em Creta (1:5,6) e como Tito deveria proceder na escolha de pessoas para a liderança na igreja (1:7-9).Tito é advertido acerca dos falsos mestres e da necessidade   de refutá-los (1:10-16). A norma para a conduta cristã normal é observada para diferentes grupos de pessoas (2:1-10), e enfocam-se as obrigações e privilégios de um cristão numa sociedade (2:1 1-15). Exortações acerca de males especiais na comunidade (3:1-3) são acompanhadas pela base para um ministro realizar o que é bom (3:4-8).  Após algumas admoestações finais acerca dos falsos ensinos (3:9-11), são dadas instruções pessoais (3:12-14). A carta encerra com saudações finais e uma bênção (3:15).
BIBLIOGRAFIA PARA APROFUNDAMENTO
BROWN, Raymond. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Paulinas, 2004.

COMBLIN, José. Segunda Epístola aos Coríntios. São Leopoldo, RS / Petrópolis, RJ: Editora Sinodal / Vozes, 1991.

ELLIOTT, Neil. Libertando Paulo: a justiça de Deus e a política do apóstolo. São Paulo: Paulus, 1998.

HALE, Broadus David. Introdução ao estudo do Novo Testamento. Rio de Janeiro, Junta de Educação Religiosa e Publicações, 1983.

GARCIA, Paulo Roberto. A literatura do mundo mediterrâneo – compreendendo
o gênero literário cartas. Desenvolvimento Histórico e Sistemático. São Bernardo do Campo, SP: Ed. Metodista, 2008.

GARCIA, Paulo Roberto. “Liderar e perdoar: a ética do amor”. In: Mosaico: apoio
pastoral, ano 6, n. 9, p. 16 (ago. / set. 1998), p. 16.

KOSTER, Helmut. Introdução ao Novo Testamento: 1. história, cultura e religião
do período helenístico. São Paulo: Paulus, 2005.

______. Introdução ao Novo Testamento: 2. história e literatura do cristianismo
primitivo, vol. 2. São Paulo: Paulus, 2005.

MACHADO, Jonas. O misticismo apocalíptico do apóstolo Paulo: um novo olhar nas cartas aos Coríntios na perspectiva da experiência religiosa. São Paulo: Paulus, 2009.

MEEKS, W. A. Os primeiros cristãos urbanos: o mundo social do apóstolo Paulo.
São Paulo: Edições Paulinas, 1992.

PATTE, D. Paulo, sua fé e a força do evangelho. São Paulo: Edições Paulinas, 1987.

SAMPLEY, J. Paul (Org). Paulo no mundo greco-romano – um compêndio. São
Paulo: Paulus, 2008.

VVAA. Sociologia das comunidades paulinas. Estudos Bíblicos, n. 26, 1990.
VVAA. Cristianismo originários extrapalestinos (35-138 d.C.). Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana – RIBLA, n. 29 (1998).

VIDAL, Senén. Las Cartas originales de Pablo. Madri: Editorial Trotta, 1996.




[1] A partir do século VIII a.C, grande número de judeus foram levados para fora de Israel, através de deportações, tráfico de escravos e recrutamento militar. Mesmo longe, mantinham lealdade e Jerusalém através de visitas frequentes e remessa de donativos.
[2] Os textos citados fazem referência a adaptação das crenças de Paulo ao cristianismo.

[3] O exemplo maior desses grupos pode ser observado na vertente liderada por Tiago chamada de judaizante.

Comentários