Para além do espírito do império - resenha

MIGUEZ, Nestor; RIEGER, Joerg; SUNG, Jung Mo. Para além do espírito do Império: novas perspectivas em política. São Paulo: Paulinas, 2012.




O projeto de Jesus Cristo contrapunha-se diretamente ao projeto do Império Romano. Muitas de suas parábolas tinham, além do conteúdo do Reino, a conotação anti-império. Uma vez que as expressões basileia tou qeou ou ainda Basileia tou uranou fazem alusão direta a um Reino dentro de outro, ou ainda, um Reino dentro de uma lógica imperial perversa e totalitária. Por totalidade entende-se um sistema que não abre espaço para a alteridade, isto é, o outro, Nessa lógica as funções se legitimam e tudo se encerra dentro do mesmo.
Quando são anunciadas algumas palavras e sentenças por parte de Jesus, não se pode ter seu entendimento de forma unilateral como geralmente se faz, partindo de uma premissa que ele estava somente focando as coisas espirituais e não levando em conta a realidade de anos de opressão que o povo judeu vivia sob os impérios mundiais. No caso da Galileia do primeiro século, o império em questão era Roma, que impunha uma política cruel de exploração e controle social, não abrindo espaço para resistência popular ou projetos que viessem a contrapor sua ideologia.

Podemos dizer que o Império Romano começa propriamente com a vitória de Otaviano (depois declarado Augusto) em Actium, no ano 31 a.C. A partir desse momento, a concentração do poder no ambiente do vencedor, a necessária adesão dos distintos setores da cidade capital da Itália e as diferentes províncias (nações, reinos, povos conquistados), bem como a adesão a seu governo dos diferentes estamentos (patrícios, populares), foi formando um conglomerado político que não encontrou oposição significativa (MIGUEZ, RIEGER, SUNG, 2012, p.18-19).

Por esses motivos a pregação e a mensagem de Jesus como um peripatético pregador ecoavam no meio camponês com muita aceitação. A fé ressignificada através de uma resistência social pacífica foi uma das formas que muito encontraram para vencer a sublimação de suas vontades, abrindo com isso um leque de possibilidades em relação às suas expectativas espirituais e sociais. Não obstante, o grupo dos zelotes configurar entre os escolhidos por Jesus depois de ter passado a noite em oração conforme relatam os evangelistas (Cf. Mt. 10,1-2).
A mensagem do Reino embora fosse pacífica tinha um caráter radical e violento. Violência que não pode ser identificada com nenhuma força física, mas pela força da ação, do discurso, da resistência e de filosofia pregada no sermão da montanha. Não há nada mais violento do que a paz em meio a uma sociedade bélica, pois isso Jesus foi preso torturado e morto com tanta brutalidade. Seu discurso despertava a ira e faziam com que a consciência dos governantes despertassem para o caos e a desordem que a falsa proposta do império queria propagar.
O que levou Jesus a ser torturado e morto foram motivos políticos. Ele sofreu dois processos no sinédrio que com o aval de Roma consentiram em sua execução e morta. Ainda assim, a mensagem foi demasiado subversiva, pois seu caráter conseguiu transcender as barreiras do político e social entrando na intersubjetividade humana.
O caráter da mensagem cristã, que abarcam a morte e ressurreição de Jesus, gerou em seus discípulos uma mentalidade de resiliência que possibilitou enfrentar as barreiras e dilemas sofridos, abrindo novos horizontes e vislumbrando novas possibilidades de luta, uma vez que, a mensagem e a militância não se encerraram na cruz.

Na tradição cristã, essa intersubjetividade emerge à vista na ressurreição de Cristo. Não se rendendo à execução desse Messias alternativo pelos poderes constituídos aparentemente onipotentes, o divino toma o lado daqueles contra os quais o tratamento de choque era dirigido, e assim, possibilita nova esperança. Embora a crucificação fosse real – Cristo não estava simplesmente em um estado de vida latente, mas morto e enterrado – a ressurreição frustra os esforços do Império Romano e dos sumos sacerdotes judaicos para aniquilar Jesus Cristo para sempre. O poder em ação nessa ressurreição não é a onipotência de cima para baixo, mas a resistência de baixo para cima que começa quando algumas mulheres não se rendem ao tratamento de choque da crucificação, mas agrupam-se ao lado da sepultura de Jesus, e quando se espalham a noticia do Cristo ressuscitado e reúnem o grupo disperso e desalentado dos discípulos na presença dele, às margens do Império na Galileia [...] (MIGUEZ, RIEGER, SUNG, 2012 p.221).

Por esse motivo vê-se que mais do que uma mensagem religiosa de cunho espiritual o cristianismo constitui-se em seu inicio um movimento revolucionário com caráter subversivo em toda sua mensagem, que começa com o evangelho – termo milita que conotava a vitória dos exércitos romanos sobre as tropas adversárias – e termina com a ressurreição – vitória da vida sobre a morte, ou ainda, da esperança sobre a violência e opressão.
Nesse sentido entende-se que Jesus tanto em seu ministério e em seus discursos teceu fortes criticas à realidade em que estava inserido, abrindo um horizonte de vida e liberdade num universo paralelo denominado Reino de Deus, que não se pode deter em estruturas e movimento humanos. Não se identifica com sistemas ou personalidades políticas, mas começa dentro de cada pessoa que é impactada pela mensagem do evangelho e decide viver na comunidade espiritual liderada pelo Cristo.

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