Redimensionando a corporeidade
Vez por outra nos
deparamos com artigos, vídeos nas redes sociais, programas religiosos de TV ou
até mesmo sermões em igrejas históricas com a afirmação de que o ser humano
(biblicamente falando) é dividido em três partes – em alguns casos a afirmação
que é em duas – a saber, corpo alma e espírito (ou corpo e alma). Aparentemente
não há nada errado nessa afirmação, pois a Bíblia versa sobre essas dimensões,
mas será que a proposta bíblica é de partidarização? Ou de dimensões de um
todo?
As perguntas se fazem
por conta das conotações que a visão partida pode adquirir. Uma delas se faz
por meio da “demonização” do mundo, do corpo em detrimento da (super)
valorização da alma. Algumas denominações cristãs “focam” na valorização da
alma se esquecem da interação com o corpo no mundo e sua dimensão
salvífica.
Outro elemento é como
se pensa a dimensão escatológica como realização presente. Uma vez que, em
tempos de extremismo exacerba-se a lógica de uma salvação somente num tempo
futuro, desvalorizando assim, a dimensão existencial da vida e de seus momentos
mais importantes. Nesse sentido é que pretendemos refletir sobre a antropologia
teológica e uma proposta de interação partindo das premissas bíblicas.
Ser humano pessoa: Antigo e Novo Testamento
A tradição do Antigo
Testamento trabalha sempre com a noção de vida no seu sentido integral. Embora
haja menções de alma, espírito e corpo em momentos distintos a noção é de
unidade e de ser humano como integral, não partidarizado. Inúmeros são os
estudiosos que corroboram essa premissa entre eles Hans Walter Wolff para quem
a divisão das partes componentes do ser humano bíblico do Antigo Testamento não
anula sua dimensão una. Para o estudioso algumas vezes comete-se o equívoco na
tradução dos vocábulos alma, espírito, coração rumando para uma visão partida
de ser. Como destaca.
Ao
serem traduzidos, por via de regra, os substantivos hebraicos mais comuns pelas
palavras “coração”, “carne” e “espírito”, produzem-se equívocos de graves
consequências. Eles remontam já à antiga tradução dos Septuaginta e conduzem a uma antropologia dicotômica ou
tricotômica, na qual o corpo, a alma e o espírito se encontram e oposição
mútua. (WOLFF, 1975, p.17).
Para o estudioso do
Antigo Testamento, o ser do homem na cultura hebraica é descrito em dimensões
distintas, ora como alma, espírito, fôlego, mas sempre direcionando-se ao ser
concreto e integral. Como pode-se observar em Sl 84,3, Pv 2,10s, Pv 18,15, Is
57,2 e outras centenas de passagens bíblicas. O interessante é sempre notar que
embora seja retratado por meio de suas dimensões o ser humano no Antigo
Testamento é visto como uno, isto é, pessoa integral. Não obstante, Wolff
destaca que nêfesh (alma), basar (carne), ruach (espírito) e leb (coração) estão em sintonia com essa
ideia de integralidade.
O filósofo Enrique
Dussel El humanismo semita (1979)
também assente que para a cultura hebreia o ser humano é indivisível, ou seja,
integral. Dussel afirma que à medida que a tradição hebreia vai se
desenvolvendo amadurece-se a ideia de integralidade do ser.
Há um
elemento propriamente hebreu, e que irá tornando como tempo uma maior nitidez
na unidade indivisível do ser: o ruach[...]
o ruach constitui radicalmente dito
homem em uma ordem distinta de basar-nêfesh: “O Egípcio é um homem e
não um deus; seus cavalos são carne e não espírito”. (Isaias 31,3). (DUSSEL,
1979, p.28-29).
Esse é mais um exemplo
das dimensões que os termos antropológicos retratam para referir-se ao ser
humano em sua integralidade, ou seja, como pessoa. Ser vivente tendo as
dimensões explicitadas, sempre, de maneira holística.
Helmult Koester (2005)
afirma que o novo testamento é uma confluência de culturas, as mais importantes
da influencia da redação dos textos são a assíria e helênica. Ambas são
responsáveis pela moldura do Novo Testamento, influindo também na concepção
posterior que o mesmo atingiu.
A patrística e a
escolástica são as maiores responsáveis pela concepção tripartite
bíblico-antropológica. Sua revisão, contudo, vem sendo feita por inúmeros
teólogos que na tentativa de responder questões de cunho existencial e cultural
têm empenhado demasiado esforço para que haja um resgate coerente à tradição
bíblica sobre o tema.
Alfonso Garcia Rubio
destaca que para a filosofia grega “o ser humano é individualizado pelo corpo,
mas este torna-se indivíduo não passa de uma imperfeição e de uma limitação
degradante. Só pelo espírito que o ser humano é humano” (RUBIO, 2004, p. 107).
Há demasiado valor ao espírito na cultura helênica e isso é interpretado (em
grande parte) de uma forma equivocada, pois a mesma lógica do Antigo Testamento
vale para o Novo, ou seja, que o ser humano é integral e que sua dimensão é
holística. Como salienta Rubio.
É
verdade que só com Jesus Cristo podemos encontra a realização plena do que
significa imagem de Deus, do que significa viver uma existência dialógico-relacional.
Entretanto, já no Antigo Testamento temos os dados fundamentais do que a
Igreja, aos poucos, irá entendendo como sendo a riqueza e a dignidade da pessoa
humana. Não há dúvida que as controvérsias trinitárias e cristológicas ajudam a
moldar o conceito de pessoa, mas o seu fundamento encontra-se na revelação
bíblica (RUBIO, 2004, p.109).
Nota-se sem muitas
dificuldades que a Bíblia trabalha com a ideia de pessoa quando se refere ao
ser humano. É o ser integral que interage com a realidade que o cerca. As
dimensões dessa interação podem (e são) descritas de maneira distintas,
tendendo a enfatizar e salientar aquilo que se quer evidenciar, mas de maneira
alguma apontam para o ser humano como elevado “apenas” espiritualmente e que se
transcende, somente, elevando seu “espírito”.
A integralidade
possibilita vislumbrar uma antropologia dialogal que transcende "saindo de si" em contato com o outro. Isso pode e deve se dar em diversos campos, uma vez
que, toda a relação humana é tida como envolta em uma espiritualidade. Se é
possível essa abertura, também pode-se interagir com a cultura, arte, sociedade
de maneira a transcender e demonstrar a dimensão espiritual nessa relação.
Será que nessa
perspectiva podemos imaginar o corpo do humano como mediação do sagrado?
Antropologia
teológica e o redimensionamento da corporeidade.
Das inúmeras
dificuldades que o cristianismo estabeleceu com a sociedade ocidental, talvez a
maior tenha sido a relação com o corpo. Fruto de uma herança helênica o corpo
historicamente foi visto como o lugar em que o pecado é consumado, ou seja,
pecado tem fortes ligações com o corpo.
Antônio Gouvêa de
Mendonça em seu célebre O celeste por vir
(1984) pontua que a mentalidade, sobretudo, evangélica estabelecida no Brasil
recebeu forte influência puritana via sul dos Estados Unidos e que isso
influenciou na concepção de pecado ligado às questões corporais. Da mesma sorte
Dussel assente que o pecado na tradição cristã restringiu-se basicamente ao
corpo.
O que causa
estranhamento nesse tipo de ideário é ser o ápice da tradição cristã a
celebração do corpo e sangue de Jesus Cristo em seu mais importante ritual: a
ceia eucarística. Isso deveria servir para pensar a libertação e
redimensionamento da corporeidade, uma vez que, a proposta do Cristo sempre foi
libertária.
Paradoxalmente não é difícil entender
essa dificuldade em torno da temática corporal, pois a dominação do corpo e sua
consequente tentativa de disciplina encerram-se dentro de mecanismos de
controle que agencia e domina corpos como modo de exercício de poder sobre os
mesmo. Se entendermos a religião como espaço de disputa pelo poder e do
cristianismo como movimento que possibilita essa ação não teremos nenhuma
dificuldade em compreender por que o legado cristão ocidental é de desprezo e
consumação do pecado por meio do corpo. Observemos o que Foucault diz sobre a
disciplina corporal.
A escala, em primeiro lugar, do controle: não se
trata de cuidar do corpo, em massa, grosso modo, como se fosse uma
unidade indissociável mas de trabalhá-lo detalhadamente; de exercer sobre ele
uma coerção sem folga, de mantê-lo ao nível mesmo da mecânica — movimentos,
gestos atitude, rapidez: poder infinitesimal sobre o corpo ativo. O objeto, em
seguida, do controle: não, ou não mais, os elementos significativos do
comportamento ou a linguagem do corpo, mas a economia, a eficácia dos
movimentos, sua organização interna; a coação se faz mais sobre as forças que
sobre A modalidade enfim: implica numa coerção ininterrupta, constante, que
vela sobre os processos da atividade mais que sobre seu resultado e se exerce
de acordo com uma codificação que esquadrinha ao máximo o tempo, o espaço, os
movimentos. Esses métodos que permitem o controle minucioso das operações do
corpo, que realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma
relação de docilidade-utilidade, são o que podemos chamar as “disciplinas”.
Muitos processos disciplinares existiam há muito tempo: nos conventos, nos
exércitos, nas oficinas também (FOUCAULT, 1987, p. 163-164).
A análise proposta por
Foucault é sobre instituições que exercem poder de forma disciplinar sobre os
corpos. Não é assim com a religião cristã? Não são assim construídas as
realidades sociais e normatizadas por meio de “comportamento padrão”? O mundo
da totalidade estruturante e opressora é legitimado por inúmeras perspectivas
que variam desde a ontologia, política, ganhando outras conotações, por
exemplo, num universo sociológico. Qual é o intuito de uma legitimação de
dominação? Peter Berger (1985), nos ajuda a entender a legitimação da ordem
social. “Por legitimação, entende-se o “saber” socialmente objetivado que serve
para explicar a justificar a ordem social. Em outras palavras, as legitimações
são respostas a quaisquer perguntas sobre o “porquê” dos dispositivos
institucionais” (BERGER, 1985, p.42). Se a ordem que se estabelece é baseada na
exploração e dominação do outro, sua tendência é ser perpetuada, uma vez sem
movimentos de insurgência contra a ordem estabelecida, não se altera sua
natureza.
Há, entretanto, ambivalência no que diz
respeito a interação com o mundo, o corpo e a espiritualidade, uma vez que, se
pode criar mecanismos de transcendência na própria interação com o mundo em que
cerca o indivíduo. Nesse ponto temos uma guinada epistemológica, pois passa-se
de uma concepção que nega a cultura e o mundo colocando-os como dispensáveis
para a salvação a uma concepção holística que entende o mundo, a história, vida
e cultura como elementos (entes interagente com o mundo) indispensáveis para a
salvação. Como destaca Cláudio de Oliveira Ribeiro
A visão
a cerca do ser humano, por ser holística (integral), possui uma dimensão
concreta que valoriza a história, a experiência, o conhecimento a partir da
vivência e a dimensão da corporeidade humana, ao contrário da visão abstrata,
idealista e especulativa presente em certas correntes filosóficas do mundo
grego (RIBEIRO, 2010, p.68-69).
Valorizar a
corporeidade significa interagir com a cultura com a arte e as influencias de
nossa formação cultural indígena e africana. Uma das formas de transcendência é
a dança, a arte, música, poesia, artes cênicas, enfim uma gama de elementos que
foram hostilizados pela cultura cristã como sendo desprezíveis.
Diversas culturas
entendem a dança como elemento libertário. Podemos citar o sufi (muçulmano) e
os ritos dos cultos aos orixás. No seio cristão quem elabora e redimensiona
essa questão são os pentecostais, que por meio do “mover do espírito” dão
margem às catarses coletivas e “extravasam” em suas reuniões. Aos protestantes
históricos foi vedado o dançar por uma questão histórica e cultural. Mas não se
pode redimensionar isso? A dança pode ser um elemento terapêutico e libertário
do ser.
Da mesma maneira ocorre
com a arte. Não se pode subverter tais elementos sinalizando para uma nova
forma de ser? Projetando a libertação do ser humano? Nossa literatura é
carregada de exemplos de ruptura e libertação por meio de uma nova forma ser.
Alguns exemplos de cultura alternativa propositiva na cultura e literatura
brasileira podem ser observados nas letras de Gilberto Gil em sua fase Re, como
salienta Calvani em Teologia e MPB
(1998).
Na letra da canção Pai e Mãe o cantor propõe o
redimensionamento da afetividade entre os homens quando escreve.
Eu passei muito tempo
Aprendendo a beijar outros homens
Como beijo o meu pai
Eu passei muito tempo [...]
Meu pai, como vai?
Diga a ele que não se aborreça comigo
Quando me vir beijar outro homem
qualquer
Diga a ele que eu quando beijo um amigo
Estou certo de ser alguém como ele é
Alguém com sua força pra me proteger
Alguém com seu carinho pra me confortar
Alguém com olhos e coração bem abertos
Para me compreender
Gil propõe uma
contracultura através da relação fraternal afetuosa que era exclusiva com seu
pai e no redimensionamento da cultura e da própria corporeidade interage de
maneira distinta da habitual, sob a influencia da cultura hippie que pregava o amor e a paz, juntamente com a ruptura de padrões
e comportamentos estabelecidos pela sociedade capitalista. Para além dos
padrões normativos e doutrinários (que permeiam a cristandade) a essência dessa
proposta de Gil não se assemelha à cristã? Amor, paz, fraternidade,
contracultura não hegemônica são elementos de um cristianismo “primitivo”.
À semelhança dessa
proposta temos o romance Gabriela
(2005) Jorge Amado que sinaliza para
uma antropologia de um indivíduo liberto, isto é, uma projeção do indivíduo na sociedade
comunista (utópica). Nesse sentido, Gabriela desponta como mulher livre, acima
dos padrões burgueses da sociedade capitalista. É pura, inocente, mas ao mesmo
tempo, reconhece sua corporeidade e interage com ela a fim de colocar-se como
mulher numa sociedade predominantemente machista do início “dos anos 1900”.
Amado propõe isso projetando a libertação antropológica do indivíduo sob
influencia da sociedade comunista. Isso não seria também uma espécie de
subversão? E o que dizer de Tereza
Batista cansada de Guerra (AMADO, 1978)? Interações de afirmação da
corporeidade valorizando a pessoa, história e cultura.
Há que se valorizar a
arte, cultura e história juntamente com o corpo, uma vez que: “A valorização do
corpo pela fé cristã se difere das concepções religiosas correntes no
Cristianismo que associa o corpo ao pecado ou como “prisão do espírito” ” (RIBEIRO,
2010, p.70). Sem dúvidas o redimensionamento da corporeidade e sua melhor
interação com o “mundo” são condições sine
qua non para pensar uma nova antropologia teológica.
A interação do corpo
com mundo dá-se à medida em que o humano utiliza-se dos entes que o cercam
(palavra, instituições, produções culturais, etc.) para conferir sentido a sua
própria existência, modificar a realidade em que se insere e transformar as
relações de uma maneira salutar e sinalizadora da graça divina no mundo. Para isso, contudo, é necessário abandonar a
ideia de corpo, cultura, mundo e história como desprezíveis e prescindíveis para
a salvação do ser humano.
Outrossim, apontamos
que como ser histórico e temporal a salvação e realização do evento divino na
vida do humano se faz de maneira histórica, interagindo diretamente com sua
realidade e possibilitando transcender ( no sentido de ir além) em sua dimensão
existencial e concreta.
Corpo e existência
No
que diz respeito à teologia cristã há duas perspectivas soteriológicas. Uma
intra-histórica e outra extra-histórica. A segunda amplamente difundida nos
meios religiosos postergando para o futuro celestial a realização da pessoa. As
vicissitudes da vida, nesse caso, seriam provações necessárias para alcançar o
tão esperado descanso celestial. Já as perspectiva intra-histórica pensam a
transcendência numa dimensão existencial e social, ou seja, na possibilidade de
interação com a própria história e pessoa humana.
É
nesse sentido que Libânio e Bingemer (1994) tratam da perspectiva da salvação
no seio da história. Por salvação se entende o compromisso com a vida e a opção
pelos pobres e vítimas dos sistemas opressores. Para os autores a possibilidade
de transcendência se dá por meio de [...] “movimentos de defesa dos direitos
humanos, de beneficência social, antibelicista, feminista, de proteção ao meio
ambiente, de combate do desperdício e de autonomia de grupos regionais ”
(LIBÂNIO; BIRGEMER, 1994, p. 97). Tais possibilidades apontam para a interação
do ser humano desde sua perspectiva histórica, concreta e real não postergando
para o futuro a esperança de um mundo melhor.
Desde a perspectiva
ontológica o ser relaciona-se com o mundo através dos entes. Para tanto
necessita mediar essa relação “manejando” os entes. A ideia pode ser melhor
definida da seguinte maneira: “As mediações não são outra coisa senão aquilo
que empunhamos para alcançar o objetivo final da
ação” (DUSSEL, 1977a, p.35). A definição de Dussel sobre mediações é mais bem
explicada pela relação homem-ente.
Os entes podem ser definidos de diversas
maneiras, sejam eles naturais, símbolos, artefatos ou qualquer outra maneira,
pois são eles que fazem possível a existência do homem; por esse motivo, são
meios para um fim, execução de um projeto de alcançar o Outro.
De acordo com essa
perspectiva, o ser humano é o que constitui os entes como coisas-sentido, ou
ainda, como coisas que tem utilidade nas relações. As coisas ou os entes,
aparecem portanto, como fenômenos variando sua captação de acordo com a
consciência do sujeito.
Em síntese, podemos
depreender que as mediações são os instrumentos que o ser humano utiliza para
interagir com seu espaço (mundo), modificando-o na construção de novo projetos
que sinalizem novos horizontes. Nesse sentido, é interessante pontuar que a
construção do ser humano é um devir em constante desenvolvimento; ou seja, à
medida que interage com a realidade de seu espaço, se projeta e vislumbra novas
formas de existência.
As mediações servem,
assim, para vislumbrar um projeto, uma nova perspectiva de vida e ação. As mediações
como entes se apresentam sempre como “coisa-sentido” ou “algo para”, uma vez
que é na compreensão do ser humano ou do mundo que o ser abre-se ao âmbito da “significatividade”
como ela se apresenta, e é somente a partir de tal âmbito que se pode
compreender o projeto (de liberdade que
vislumbra a libertação) fundamental do ser humano.
O
corpo interagindo com a cultura, afirmando-se como autônomo e livre de amarras
sociais faz essa função, pois a ruptura com a disciplina controladora e
legitimadora de papeis sociais, a qual Foucault ressalta em sua obra, é
condição essencial para o redimensionamento da corporeidade e nova noção de
existência. Entretanto isso somente se torna possível quando o corpo passa a
dominar os entes em favor de sua emancipação.
Em
Gabriela (2005) isso acontece de
forma magistral, pois Jorge Amado coloca como ponto culminante do romance a
tomada de consciência para o redimensionamento da corporeidade. Novas formas de
ser; novas maneiras de interagir com a cultura. Isso também ocorre com Gilberto
Gil em sua fase Re. Como o cantor passa a relacionar-se com o sagrado? Por meio
da nova consciência estética e musical.
Da
mesma maneira a nova proposta de existência antropológico-teológica deve romper com
padrões normatizantes e deixar-se levar pelo paradigma do pneuma, ou seja, ser livre para experimentar a experiência da vida,
sem deixar ser capturado e engendrado em sistemas de dominação e controle como
menciona Foucault.
A
reconfiguração da corporeidade passa, necessariamente, pela própria maneira do
corpo lidar com as estruturas em que está inserido. À principio a chave
encontra-se na consciência e na nova forma de fazer e lidar com a cultura.
Nesses casos as correntes e tendências alternativas aproximam-se muito mais de
um ideal cristão libertário do que as estruturantes.
A
libertação corporal dá-se por meio de uma consciência (nôus) liberta. Os sistema e estruturas de poder Foucault (1987)
fazem com que a alguns papéis sociais sejam delimitados e determinados, por
isso cabe à teologia pensar e propiciar a ruptura com tais mecanismos
repressivos por meio de uma nova concepção de corpo, ética e liberdade, uma vez
que esse é o cerne do cristianismo.
Somado
a essa questão temos a interação histórica do ser humano com a realidade em que
se insere. A fazer teológico necessita brotar do “chão da vida” e isso
pressupõem uma interação com a realidade histórica, artística e literária em
todas as dimensões que esses elementos perpassam a vida. Por isso a interação
de todos esses elementos são essências para o redimensionamento da
corporeidade.
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