Hugo Assmann - Teologia a partir da América Latina
Hugo Assmann: breve biografia
Hugo Assmann (1933-2008) nasceu em Venâncio Aires
(RS). Foi um dos mais influentes teólogos da libertação brasileiros. Fez seus
estudos de Filosofia
no Seminário Central de São Leopoldo (1951-1960) e Teologia na Universidade Gregoriana de Roma (1954-1958).
Em 1961 defendeu sua tese de doutorado na Pontifícia Universidade Gregoriana de
Roma com o título A dimensão social do
pecado. Também fez pesquisas na área da sociologia, com pós-doutorado em
Frankfurt, sob a orientação de Adorno. Atuou como padre na Paróquia de Nossa Senhora
do Montserrat. Em decorrência do golpe militar no Brasil, foi para o Uruguai, depois
para a Bolívia
e Chile, durante o
período do governo de Salvador Allende. Neste período desenvolveu sua
reflexão sobre a teologia da revolução. Em 1973 publicou Teología
desde la praxis de la
Libertacion , que marcou a sua transição para a Teologia
da Libertação.
Com a deposição de Allende do governo, Assmann seguiu para a Costa Rica,
onde juntamente com Franz Hinkelammert,
desenvolveu suas reflexões teológicas sobre a relação entre teologia e economia no Departamento Ecuménico de Investigaciones (DEI),
fundado por ambos, tornando-se um dos principais produtores e formadores da
Teologia da Libertação. Atuou como
professor do programa de pós-graduação na área
de educação na Universidade Metodista de Piracicaba entre 1994 a 2005.
A militância de Assmann é fruto de sua vivencia fortemente marcada pela
participação no contexto da esquerda latino americana. Assessorou o grupo da
JUC (Juventude Universitária Católica), com trânsito pela JEC (Juventude Estudantil
Católica) e participações como convidado nas Atividades de Formação para a
Renovação Pastoral, nos ISPACs (Instituto de Pastoral Catequética) tanto no Rio
de Janeiro como em São Paulo
e do ISPA (Instituto de Pastoral Litúrgica).
O autor fala de suas marcantes experiências quando destaca que:
Entre os
muitos feitos marcantes dessa época assinalo: o Plano de Pastoral de Conjunto
da CNBB, o Concílio Vaticano II; a opção da JUC por criar um instrumento
organizativo expressamente político, a Ação Popular; o Golpe de 1964 no Brasil;
os primórdios da Teologia da Libertação, 1970. Acrescentam-se as rebeliões
estudantis de 1968-70, a
derrota dos EUA no Vietnã; a libertação sexual com ampla dispersão dos
anticoncepcionais e as ondas dos exilados. (ASSMANN, MO SUNG, 2010, p.23)
Assmann salienta que a diversificada expectativa de desejos de mudança
vigente no período obedecia a uma sensível percepção de que o ser humano se
define, sobretudo, pela “circuncialidade” política. De forma que os atos
humanos podem ser qualificados como atos políticos. Dessa maneira ressalta que
as ações políticas promovidas pelo clero tinham como intuito formar
politicamente os estudantes, operários e intelectuais do período de 1960-70 (ASMANN,
MO SUNG, 2010, p.24).
Esboço do pensamento teológico de Assmann
O pensamento teológico de Assmann possui três elementos básicos: (1) a
necessidade de uma contribuição teórica prática da experiência de fé
latino-americana, na relação dialética teoria-práxis; (2) a necessidade de um
maior aprofundamento e explicitação da teologia latino-americana em relação à
teologia europeia; e, (3) a importância em assumir compromissos concretos com a
libertação latino-americana.
Uma das importantes contribuições de Assmann no âmbito teológico
encontra-se no diálogo critico que estabelece com a teologia européia. O
teólogo salienta a importância das ciências sociais no que tange a analise da
realidade de dependência na opção de um projeto político concreto. Nesse
sentido destaca que é necessário levar em conta três elementos:
·
Nível da analise social;
·
Nível das opções políticas;
·
Nível estratégico-tático.
Para Assmann o uso do instrumental sócio-analitico constitui-se numa
premissa imprescindível na compreensão da realidade latino-americana. Partindo
desse ponto pode-se compreender de forma mais adequada a importância da análise
sócio-econômica necessária para interpretar de forma profícua a realidade dando
atenção aos principais dados do processo político (ASMANN, 1976).
Os dados da interpretação da realidade devem-se, partido desse
pressuposto, aproximar máximo possível da realidade e ser adquiridos de forma
cientifica. Dessa maneira, o instrumento de conhecimento da relação
teoria-práxis, dependência-libertação torna-se cada vez mais necessário.
Na concepção de Hugo Assmann deve-se tomar a consciência que adotar a
linguagem de libertação de forma consequente implica, necessariamente, no uso
sócio-analitico derivado do marxismo, assim como, uma estratégia de luta que
conduza a um tipo de sociedade socialista (ASSMANN, 1976).
A opção
genérica por um tipo de sociedade socialista, que começa a ser verbalizada cada
vez mais claramente por setores cristãos, não representa, como tal, um projeto
técnico detalhado: representa, contudo, tanto a postura anti-sistêmica, como a
rejeição dos modelos desenvolvimentistas, como conjunto básico de linhas
técnicas políticas (ASSMANN, 1976, p.216).
De acordo essa premissa, a opção dos cristãos pressupõe uma postura bem
definida em relação à problemática dependente, uma vez que, não se pode ter
alternativas terceiristas, pois ou se integra o grupo dos que anseiam pelo
socialismo a partir do caminho iniciado nessa direção ou com as forças
contrárias ao mesmo.
Com o passar dos anos o pensamento de Hugo Assmann foi sofrendo algumas
nuanças. De sorte que se pode dividi-lo em três fases, a inicial compreendida
entre os anos 1960-70; a segunda que abarca os anos de 1980 e 1990 e a
derradeira datada a partir do inicio do século XXI.
A idolatria do mercado
No
período dos anos 1960-70, Hugo Assmann não faz menção explícita ao mercado,
porém a partir dos anos 1980 passa a fazê-lo explicitamente, publicando inclusive
uma obra intitulada A idolatria do
mercado, em conjunto com Franz Hinkelammert. Esse livro se constitui num
marco na investigação da relação entre teologia e economia, além de incluir o
tema da idolatra do mercado. O autor entende que: o conceito de idolatria está diretamente vinculado à
manipulação de símbolos religiosos para criar sujeições, limitar opressões e
apoiar poderes dominadores na organização da convivência humana (ASSMANN,
HINKELAMMERT, 1989, p. 11).
Ao tratar da
temática da idolatria, Assmann indica duas formas de compreensão teológica.
·
Teologia idolátrica: justificadora dos
sacrifícios a ídolos
·
Teologia anti-idolátrica: que busca destronar os
ídolos
De acordo com Assmann o papel da Teologia
da Libertação é rejeitar a idéia de sustendo dos ídolos. Isso se faz à medida
que há a identificação de tais ídolos e o combate dos mesmos, pois se trata de
um sistema teológico perverso que se insere no seio da economia lançando mão
dos sacrifícios humanos para seu êxito (ASSMANN; HINKELAMMERT, 1989).
A ideia básica que quisemos transmitir é que a economia que
obedece ao paradigma anteriormente descrito é um ingente processo de idolatria,
da qual os autores não tomam consciência porque se trata da teologização do
próprio cerne da economia. O ocultamento desse teologia econômica corresponde
ao ocultamento dos pressupostos legitimadores do conjunto e das diferentes
partes do pensamento econômico. É o ocultamento maior, ou, se quiserem, o nível
mais profundo dos pressupostos ocultados (ASSMANN; HINKELAMMERT, 1989, p.165).
As criticas de Assmann se dirigem de forma mais contundente a ideologia
neoliberal que afirma seus dogmatismos baseada na noção abstrata de
auto-regulação. Para Assmann isso se constitui numa ficção, um mito, pois parte
da premissa que tais pressupostos não passam de fantasias investidas de um
aspecto dogmático entranhado em mecanismos econômicos.
A adoção de qualquer teoria econômica traz intrinsecamente um processo
idolátrico. Dessa maneira, passa a ser o critério de valorização e
autovolorização – para poder descartar outro projeto teórico – necessário a sua
auto-legitimação, isto é, ela assume o papel de critério de verdade baseada em
seus próprios fundamentos teóricos, o que a leva a invalidar as outras teorias.
Nota-se que no pensamento teológico-economico de Assmann há dois pontos.
O primeiro dedica-se a desvelar o tema do mercado; dos dogmas irracionais inerentes
à discussão econômica e um segundo que trata de traduzir em termos teológicos as
concepções que estão imbricadas no tema do mercado, sinalizando para a
nocividade que a idolatria do mercado representa para o cristianismo.
Hugo Assmann foi um dos teólogos da libertação mais notáveis, por isso,
possui uma vasta produção bibliográfica. Suas obras transpassam vários eixos
das ciências humanas e exatas. O teólogo escreveu muitos livros, entretanto,
suas produções mais divulgadas são os artigos.
Principais obras de Assmann
- A
idolatria do mercado: ensaio sobre economia e teologia. São
Paulo: Vozes, 1989;
- A
igreja eletrônica e seu impacto na América Latina. Petrópolis: Vozes, 1998;
- A trilateral: nova fase do
capitalismo mundial. Petrópolis: Vozes, 1979;
- Clamor dos pobres e “racionalidade”
econômica. São Paulo: Edições Paulinas, 1990;
- Critica à lógica da exclusão:
ensaios sobre economia e teologia. São Paulo: Paulus, 1994;
- Teologia desde la praxis de la
liberacion. Salamanca: Sígueme, 1973.
Referências:
ASSMANN, Hugo. Teología
desde la praxis de la liberación: ensayo teológico desde la América dependiente.
Salamanca: Sigueme, 1976.
ASSMANN, Hugo; HINKELAMMERT, Franz Josef. A
idolatria do mercado: ensaio sobre economia e teologia. São Paulo:
Vozes, 1989.
ASSMANN, Hugo; JUNG MO SUNG. Deus
em nós: o reinado que acontece no amor solidário aos pobres. São
Paulo: Paulus, 2010.
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