Você já viu Deus?

Outro dia estava na fila de do posto de saúde, esperando para me consultar. Durante a espera conversei com pessoas que estavam na fila. Num dado momento comecei a conversar com uma senhora estava em minha frente. Pele escura, cabelos brancos, semblante abatido, a senhora fala da vida de forma simples e encantadora. No princípio falou dela, depois começou a fazer perguntas sobre mim. Numa delas perguntou o que eu estudava. Respondi: teologia. Indagou sobre a função de um teólogo. Em meias palavras tentei sintetizar. Você já viu Deus? Foi a pergunta que me desconcertou.
Você já viu Deus...? Essa pergunta ecoou em meus ouvidos por alguns segundos. Num primeiro momento tentei lembrar de algum teólogo que falou sobre isso, depois procurei lembrar um versículo bíblico para responder, mas minhas tentativas foram sendo pouco a pouco frustradas. Tentei falar alguma coisa sobre Barth, Bultmann, Cullmann, Boff, mas não consegui responder a sua pergunta. Então disse: Eu não. E a senhora? Para meu espanto ela disse que via Deus todos os dias. Vejo Deus na natureza, desenhando nas nuvens, no cair da tarde, na força da vida... E assim foi falando como via Deus nas coisas simples da vida.
Como você poder ser teólogo e nunca ter visto Deus? Disse ela. Por alguns instantes me perguntei: Quem aqui é de fato teólogo? Faço elucubrações, sistematizo pensamento, resenho livros, formulo hipóteses. Sei algumas coisas sobre o patriarca da igreja, conheço suas doutrinas, mas confesso que nunca tinha visto Deus, pelo menos não daquela forma.
Na ilha do saber, discorremos sobre Deus, analisamos a fé, discutimos vários autores, elegemos nossos heróis, enfim, fazemos tantas coisas, porém talvez nunca vemos a manifestação de Deus no cotidiano. Podemos enquadrá-lo em sistemas teológicos e atribuir-lhe várias funções, entretanto às vezes não o vemos, não o sentimos, não o percebemos em suas manifestações livres, independentes dos sistemas teológicos fechados. Ignoramos o saber contemplativo e a manifestação livre de Deus.

Naquela tarde pude aprender com o saber popular, através de alguém que eu nunca imaginaria que me ensinasse sobre teologia. Lembrei-me de Jesus frente a mulher sírio-fenícia e como ele fui surpreendido por uma resposta que não esperava. De fato, parafraseando Rubem Alves, Deus é como um pássaro encantado que canta e encanta livremente, o problema é quando queremos colocá-lo numa gaiola para cantar nossa melodia preferida.

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