Volta, Bultmann!!!
Em tempos de crise sempre se
procurou olhar para o passado, buscando nele referenciais que possam ajudar na
interpretação do presente. Isso ocorre nas diversas ciências chamadas de
humanas (sociologia, filosofia, história, etc.).
Acredito que estamos vivendo numa
crise de paradigmas, e vez ou outra nos deparamos com aberrações, que relutamos
com nossos próprios sentidos, a fim de negar o que nossos olhos estão vendo e
nossos ouvidos estão ouvindo.
Isso ocorre frequentemente comigo
quando participo de celebrações cristãs em que os líderes utilizam textos
bíblicos para legitimar posições e doutrinas aparentemente verdadeiras, mas que
na verdade não tem fundamento exegético algum.
Pensado nisso, fui impelido a
buscar num dos mestres da exegese do século XX, alento para minha alma. E
graças a Deus e a Rudolf Bultmann consegui encontrar.
Bultmann (1884-1976) foi um
teólogo luterano alemão que concentrou seus estudos na área do Novo Testamento
e ficou conhecido, sobretudo, pelos seus escritos sobre demitologização do Novo
Testamento e consequentemente pelas interpretações a cerca de Jesus.
No livro Crer e Compreender, que consiste numa coletânia de artigos, há um
artigo intitulado: Será possível uma
exegese livre de premissas? Em que Bultmann trata de alguns passos para uma
exegese que evite algumas aberrações.
Inicialmente o teólogo faz a
distinção do termo premissa (preconceitos, ou conceitos pré-determinados). Para
ele o termo usado não pode adquirir a conotação de pressupor os resultados, ou
seja, não se pode ler o texto para legitimar posições. Contudo, faz questão de
salientar que se o termo for usado no sentido da experiência que o exegeta trás
consigo, isto é, as perguntas que o mesmo tem a respeito do assunto, a ausência
de “premissas” (experiências de vida do intérprete) é impossível, uma vez que
esse não é uma tabula rasa trás consigo várias experiências existenciais.
Bultmann ressalta que a
interpretação deve ser conduzida pelo sentido do próprio texto, não podendo assim,
haver uma conclusão antes que o mesmo seja lido e entendido em seu conjunto.
Dessa maneira, destaca cinco pontos para que uma interpretação coerente.
1)
A exegese precisa estar isenta de preconceitos. Isso
pressupõe um melhor estudo do texto aprofundando; verificando o sentido das
informações e não desprezando as condições sociológicas do mesmo.
2)
A exegese precisa utilizar o método histórico-crítico.
O método histórico pressupõe que a história é uma unidade com estrutura
integrada de efeitos, em que todos os eventos estão articulados numa relação de
interdependência. O curso da história precisa ser entendido como uma unidade
integrada. Esse ponto é um dos mais delicados da teoria de Bultmann, pois
muitos consideram o método histórico como obsoleto, porém ainda pode-se ao
mesmo aproveitar suas ferramentas na aplicação de um método pós-crítico, como
fazem os teólogos latino-americanos.
3)
A exegese precisa levar em conta a relação vivencial do
texto com o exegeta. Tal relação se baseia no contexto vivencial em que se
encontra o intérprete. Todos os seres humanos estão inseridos em um contexto
social, político, econômico. Desses contextos em comum brotam um encontro
existencial com o texto, isto é, uma identificação.
4)
A exegese precisa pressupor uma relação vivencial
aberta. A relação que o interprete tem com o texto necessita ser aberta, pois
constantemente ocorrem situações na vida em que os seres humanos podem
identificar-se com o texto das mais diferentes formas, ou seja, a compreensão
nunca pode ser dogmatizada, mas aberta.
5)
A exegese precisa levar em conta a compreensão de que o
texto pode se manifestar das mais diversas maneiras. Na verdade, esse tópico é
a continuação do anterior, pois Bultmann salienta que a Escritura sempre pode
renovar o sentido para a vida dos seres humanos, conforme as circunstancias que
ele vivencia.
Diante das
aberrações que tenho visto e ouvido faço um apelo: tragam de volta o
Bultmann!!! Creio que se a maioria dos pregadores líderes religiosos seguisse
ao menos esses cinco passos, a interpretação e a relação com os textos bíblicos
poderia ser bem melhor.
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