O messianismo político brasileiro em tempo de eleições



O ideário messiânico é componente identitário de vários povos, não sendo, exclusividade judaico-cristã. Cabe lembrar que o protótipo desse pensamento encontra-se na história dos hebreus, que formularam a concepção do “ungido” que redimisse o povo no momento em que passavam por muitas dificuldades no Exílio Babilônico.


Desse contexto, além do conceito de messias ungido, data a formatação da redenção messiânica de Israel através do que teologicamente se conhece como o servo sofredor, ou servo de Deus (ebed Iaweh) situado nos capítulos finais do livro de Isaías, escrito provavelmente por um de seus discípulos que “ vivia junto do povo no cativeiro da Babilônia, em torno de 550 antes de Cristo, bem depois da morte do profeta Isaías. Não sabemos o nome desse discípulo. Alguns chamam de segundo Isaías.” (MESTERS, 1981, p.19).


A mentalidade messiânica canalizada para a figura de uma pessoa que representaria a união de um povo é fruto, além de outras coisas, da chamada “retropojeção ideológica” (GOTTWALD, 2000) que fez o esforço de resgatar a história dos patriarcas do Sul e do Norte para formatar uma noção de identidade nacional que fosse capaz de superar a condição existencial hostil que o exílio impunha ao povo (VON RAD, 1973).


Na esteira da história, o cristianismo adaptou a concepção messiânica, canalizando-a na pessoa de Jesus de Nazaré, que por conta desse ideário passou a ser conhecido como Jesus Cristo (ungido – um dos títulos para messias). Jesus de Nazaré, se utilizou desse imaginário popular para a apropria-se dos ditos proféticos sobre o messias e ser conclamado através de sua liderança carismática como o messias do povo.


Ainda na cultura oriental surgiu o profeta Mohamed como uma reconfiguração dessa mentalidade voltada para os povos do deserto, beduínos e mercantes. Seu êxito foi conseguir unificar uma língua e formatar uma cultura que posteriormente seria conhecida como cultura árabe. O messianismo de Mohamed, além da questão religiosa, foi capaz de reunir e organizar o conjunto “ de todos os comportamentos socialmente adquiridos e transmitidos que se manifestam através de suas obras ” (LINHARES, 2004, p. 20). Dessa maneira, a história islâmica aponta para seu fundador como um líder carismático, à semelhança de Jesus de Nazaré que fundou uma nova religião. “ Sua doutrina repousa na fé de um Deus transcendente, Alá, próximo a Jeová dos judeus de dos cristãos ” (LINHARES, 2004, p.20).


Fazendo um resgate da história brasileira, não se pode deixar de levar em conta sua forte influência portuguesa, que teve sua identidade fundamentalmente marcada pelos conflitos com os mouros e a luta pela supremacia na Península Ibérica. Entre os vários episódios da constituição da identidade do povo português destacam-se as batalhas que opunham cristãos e muçulmanos – mais precisamente portugueses e mouros. Num desses episódios o rei Dom Sebastião desapareceu em conflito. Alguns combatentes, num misto de desespero e misticismo religioso, diziam que um dia seu rei voltaria como um salvador, conforme a profecia do sapateiro de Troncoso.



O rei encoberto era D. Sebastião, que não morrera, como vulgarmente se poderia pensar. Estava preso em Marrocos pelos muçulmanos, na Espanha pelos espanhóis ou na ilha encantada de Avalon, de onde retornaria, auxiliado pelo rei Arthur, com as nove tribos perdidas de Israel, para instaurar o Quinto Império. A crença no retorno de D. Sebastião propagava-se e trazia um novo sentido às Trovas de Bandeira. Tinha inicio o sebastianismo, a expansão mais célebre do milenarismo português (ANDRADE FILHO, 1994, p.76).








A história do povo português foi marcada por esse evento que mesclou elementos da cultura árabe e cristã e encontrou em sua única colônia na América Latina abrigo e reprodução de forma fidedigna - isso pode ser observado nos momentos de fins do Império e início dá República, quando se tentou formatar uma mentalidade de nacional.


Tanto a Revolta do Contestado, quanto a Guerra de Canudos, traziam consigo a expressão político-religiosa desse sentimento de redenção encarnada na história por parte do povo brasileiro. Não somente isso, mas no período da segunda República consagrou-se o presidente Getúlio Vargas como o “ pai dos pobres ”.


A história brasileira é marcada por esses episódios e, ao contrário do que se pensa, não constituem em elementos esporádicos, mas são fatores que estão intimamente ligados ao imaginário brasileiro. Nos tempos de restauração da democracia, Fernando Collor de Melo apareceu como o messias, quando declarou sua “ caça aos marajás ”; Fernando Henrique, como o messias que salvou a economia e Luiz Inácio Lula da Silva, como messias que tirou o Brasil da miséria.


Na verdade, essa concepção é dúbia e pode ser utilizada tanto para o mal, quanto para o bem. Uma vez que a parte derrotada não concebe como messias aquele que venceu, declarando como satanás, ou Lúcifer. É interessante notar que a conotação religiosa que as eleições atingem são explícitas e mesmo entre os declarados ateus e sem religião, são expressas através de citações de livros sagrados e menções a divindades e locais de culto comuns na cultura brasileira.


Franz Hinkelammert trabalha essa ambiguidade de sentidos em relação à mesma coisa quando aponta para a concepção religiosa da realidade, uma vez que, o ser humano ressignifica aspectos de sua realidade através de valores religiosos que são expressos das mais diferentes formas e em diversas categorias.

O filósofo cita uma epístola de São Paulo, em que o apóstolo menciona que satanás de transfigura em anjo de luz e conclui “ Aqui o anjo de Luz Lúcifer é Cristo. Por baixo da imagem de Lúcifer pode também aparecer Satanás, o que implica num problema luciférico de discernimento: a luz ser um ou outro. A aparência de Lúcifer pode significar Cristo ou Satanás ” (HINKELAMMERT, 1994, p. 109).


A ênfase, nesse caso, é para o mesmo fenômeno que pode ser entendido de formas diferentes dependendo do lado que se está ou da maneira que se concebe a realidade. O elemento messiânico para alguns pode ser visto como Satanás e com Cristo por outros.


No caso brasileiro, isso se evidencia pelo caráter passional da população em relação a sua cosmovisão. Os estudiosos do Brasil são enfáticos em afirmar que o chamado “homem cordial” se caracteriza, entre outras coisas por sua passionalidade em todos os âmbitos da vida. Tanto que alguns, como a dramaturgo Nelson Rodrigues, expuseram com maestria essa relação passional através de contos e caricaturas, que nada mais são do que reflexos de uma realidade patente.


Dessa maneira, é compreensível a reação passional, tanto positiva, quanto negativa por parte da população brasileira. Uma vez que, além dessa carga antropológica, tem-se o elemento milenarista religioso que, mesmo entre intelectuais, encontra, ressignificações que apontam para o caráter religioso, ou transcendente, com que a população brasileira lida com a realidade.







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