A marcha de Jesus
No último final de semana tivemos um evento na maior
cidade do Brasil, que repercutiu internacionalmente, e foi recebido por muitos
líderes evangélicos como mais um passo rumo a “evangelicalização” do país,
estou me referindo a Marcha para Jesus.
Não sei qual é o real sentido, ou mesmo propósito de
tal marcha. Confesso que nunca sei se é apenas uma tentativa de mostrar o
crescimento de um segmento religioso, ou de uma proposta de transformação da
sociedade. Alguém já se perguntou qual o objetivo dessa marcha? Sua bandeira?
Seu propósito? Enfim, prefiro não dar muita ênfase nesse tema e tratar da Marcha de Jesus.
No evangelho de Lucas, capítulo 9, versículos 51-56. O evangelista fala de
uma marcha profética de Jesus em direção a Jerusalém, com o propósito de
proclamar o Reino de Deus e incluir as pessoas na missão.
Essa passagem de Lucas pode ser entendida por
nós como uma espécie de moldura que compreende os fatos mais importantes da
vida de Jesus. Talvez, os dois momentos cruciais da vida do nazareno sejam
exatamente suas duas idas a Jerusalém. O evangelista registra isso com o
intuito de mostrar que essas incursões marcaram fortemente a vida e ministério
do mestre da Galileia.
A decisão de “marchar para Jerusalém”, denota que a
mentalidade messiânica de Jesus havia amadurecido. Nesse momento, ele já tinha
consciência da inexorabilidade de seu destino, por isso inclui em seu
itinerário a passagem pela terra dos samaritanos. Tal fato reforça o destaque
dado às minorias e a derradeira tentativa de proclamação da mensagem inclusiva
do Reino de Deus.
Sem entrar em detalhes exegéticos, pode-se destacar, de
início, o tratamento de Jesus em relação aos samaritanos e a reação dos irmãos
diante da hostilidade do grupo. Esse episódio liga-se aos versículos que
precedem a passagem referida. Neles também encontramos a atitude excludente dos
discípulos.
Toda a temática do evangelho de Lucas gira em torno da
inclusão. Jesus aparece em diversos momentos ensinando como preceder diante dos
grupos diferentes, entretanto, mais uma vez, seus companheiros demonstram a
displicência ao colocarem em prática tais ensinos.
Às vezes me indago sobre qual o real sentido do
evangelho e as práticas cotidianas de nossas igrejas. Tenho a impressão que
essa temática humanizadora da inclusão não está em pauta. Pelo menos não com o
sentido que Jesus colocou. Observo que estamos muito mais interessados em
mostrar a força e potência que o grupo intitulado “evangélico” adquiriu ao
longo dos anos, do que trabalhar de forma harmoniosa e dialogal com as minorias
e os grupos diferentes. Não nos interessa mais a humanização, a compassividade;
a compreensão, de fato, o que se observa é o descompasso entre a mensagem do
evangelho do Reino e nossos discursos.
Será que essa intolerância e guerra religiosa em que
estamos inseridos foram ensinadas por Jesus? Qual seria a reação dele se
vivesse nos nossos dias e se deparasse com esse contexto de exclusão e
exclusividade evangélica?
Para trilharmos o caminho de Jesus, necessitamos
entender que sua proposta diz respeito à humanização, compreensão, a
alteridade, e não o caminho da arrogância e prepotência, comuns nos nossos
púlpitos. O caminho de Jesus revela a marcha do martírio, da persistência e da
inclusão.
A marcha profética em direção a Jerusalém teve como um
dos objetivos denunciar o preconceito e altivez religiosa em que os judeus do
século I estavam inseridos. Como seguidores dos preceitos de Jesus, devemos
também nos esforçar para incluir em nossa caminhada os grupos desprestigiados,
minorias e toda sorte de pessoas que estão em situação desfavorável.
O segundo aspecto que destaco nessa passagem é a
tendência reacionária dos dois irmãos. Diante da não recepção dos samaritanos
em relação ao grupo de Jesus, a dupla sugere, baseada numa leitura extremista
das escrituras, a aniquilação hostilizadores.
Cabe salientar, até mesmo a título de esclarecimento,
que essa leitura literal e extremista não era privilégio dos irmãos filhos do
trovão. Outros elementos também se utilizavam desse aparato para legitimar suas
posições. Basta atentarmos para o versículo anterior a essa passagem para
observarmos a censura aos exorcistas que expeliam demônios em nome de Jesus.
No judaísmo havia diversas tendências que faziam essa
leitura e esperavam uma oportunidade para expulsar os dominadores romanos e
instaurar um governo teocrático, sob o argumento de cumprimento da vontade de
Deus.
Nesses dias tenho refletido sobre uma tendência que tem
ganhado espaços cada vez mais significativos. Trata-se do que denomino de
totalitarismo evangélico, isto é, a tendência de aniquilação de toda a pessoa
ou grupo que não se enquadre no “pacote” evangélico que vigora no Brasil.
Esse grupo tende a repetir as mesmas práticas dos discípulos,
quando, por exemplo, entende que todos os que não são do seu grupo devem ser
repreendidos ou exterminados. A frase: “vimos um homem que em teu nome
expulsava demônios; e lho proibimos porque não segue conosco”, pode ganhar os
mais diversos contornos, que variam desde o isolamento de grupos e pessoas que
não aderem a determinada visão, até sua liquidação ou extermínio semelhante à
proposta dos irmãos Thiago e João.
A resposta de
Jesus a essa tendência é enfática: Não sabeis de que espírito sois! Não
saber... erro corrente no meio evangélico brasileiro. Não saber a história; a
tradição; o amor; a misericórdia. Não saber... pior que não saber é oprimir a
machucar sentimentos de pessoas que não se enquandram a determinados modelos.
Um dos segmentos que mais crescem no Brasil é o dos evangélicos sem igreja,
pessoas que não conheceram o amor, a graça o perdão e a misericórdia por parte
de lideranças e igrejas.
Vemos que nessa
passagem Jesus leva até as ultimas consequências a seriedade de sua missão, não
importando o quanto se é hostilizado, rejeitado e desprezado. Até o último
momento se deve insistir em fazer o bem, agir compassivamente e com amor.
Procedendo assim, não correremos o risco de ouvir que não sabemos de que
espírito somos.
Por fim, gostaria de destacar as palavras finais de
Jesus. Não vim destruir, mas vim para salvar. O termo salvar pode adquirir os
mais diferentes sentidos, em algumas ocasiões ele é utilizado com o sentido de
restaurar, em outros liga-se as questões de saúde, há casos que o sentido
atribuído a tal verbo diz respeito à saúde emocional. O importante é que em
nenhum deles o sentido é destrutivo.
A salvação citada no texto refere-se basicamente à
restauração da dignidade de grupos, como, por exemplo, os samaritanos que há
séculos eram tratados como impuros e indignos por parte da religião judaica –
que, diga-se de passagem, utilizava-se de sua hegemonia para oprimir quem não
pertencia a seu grupo.
É nesse sentido que gostaria de trabalhar esse
vocábulo: o tratamento das feridas provocadas pelos sistemas religiosos
opressores e desumanos, repreendidos diversas vezes por Jesus. Em especial,
gostaria de me dirigir às pessoas que sentem machucadas desprezadas e fora dos
sistemas; vitimadas por esse totalitarismo. A palavra de Jesus é: vim para
restaurar, salvar.
Em muitos episódios dos evangelhos, ao curar as
pessoas, Jesus proferia a seguinte frase: a tua fé te salvou. Não é estranho
ouvir que uma pessoa recém curada foi salva? A palavra salvar nos textos do
Novo Testamento adquiri os mais diferentes sentidos, dentre os quais restaurar,
ou seja, dar saúde, é um.
Portanto podemos afirmar sem dúvidas que Jesus ao
propor a salvação não se refere apenas ao céu ou uma vida para além desse
mundo. Ele também o faz com pensando nas coisas desse mundo, do aqui e agora
que envolve a vida das pessoas. Sendo assim, gostaria de dizer que a proposta
do evangelho é de salvação, restauração, cura das feridas.
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